terça-feira, 27 de março de 2012

Visão segundo Platão e Aristóteles na Antropologia Filosófica

Texto de Eneide Pompiani de Moura baseado nas discussões do fórum sobre “O Universo Medieval” da disciplina "Tópicos de Antropologia Filosófica" do curso de Pós-graduação em Filosofia da Existência, coordenado pelo Prof Vicente Sergio Brasil Fernandes (março/2012).


A correspondência existente entre o homem e o mundo e a figura do filósofo na concepção Platônica. O homem como projeto de si, tendo o corpo como um entrave para e na existência segundo Platão.

Na concepção Platônica, o homem é entendido como um filósofo, ou seja, como aquele que se posiciona diante dos problemas da existência como também diante de si mesmo através do processo da reflexão sobre a sua existência que homem concreto vai  se tornando filósofo. Isto significa dizer que o homem, neste sentido, para ele, tudo (o mundo) se torna, objeto de reflexão. Assim, o homem apresenta o caminho que pode conduzir à filosofia. Assim, a figura do filósofo não é anterior ao homem, mas sim posterior. Segundo Platão é no dialogar que o homem se vai reconhecendo.
O homem, situado e concreto, é o caminho que pode nos levar à prática da filosofia.
Para Platão o corpo surge quase como um entrave. Daí a necessidade de compreender a problemática alma-corpo como possuidora de um sentido que não está somente na questão psicofísica. Pois, esta problemática é uma relação dinâmica que só terá existência se for vivida. Porque, de um lado temos o homem prático e de outro, o homem filósofo.
A alma na experiência do filosofar tem grande importância e nessa experiência o corpo surge como um obstáculo. Homem filósofo e homem não-filósofo são opostos. A dicotomia corpo-alma não é apenas uma questão física e psicológica, ela precisa ser vivenciada e é vista por Platão como fundamental para a existência, é o que permite uma vasta compreensão da existência. O homem platônico é um estrangeiro, é alguém que vive a distância de si mesmo. A contemplação é a forma que este homem encontra para transformar a si mesmo. Ele não está confinado no próprio mundo, mas mantém uma relação constante com o supra-sensível, com as idéias com o inteligível, dessa maneira ele pode ultrapassar a si mesmo.      
Portanto, a dicotomia alma-corpo é vista como algo fundamental para a existência, é ela que permite uma compreensão mais abrangente da existência.
De uma forma geral podemos afirmar que Platão afirma a liberdade absoluta do homem, reconhecendo-lhe uma natureza espiritual que não pode ser, em hipotese alguma acorrentada às forças do mundo. Para Platão, o homem, é essencialmente alma, espírito e por isso, o unico problema, para o homem, é o de resgatar a sua alma da prisão do corpo.
Segundo Platão é no dialogar que o homem se vai reconhecendo . O diálogo é a auto-expressão do homem, antes de qualquer sistematização filosófica. O homem faz-se no diálogo. Isto é, começa uma compreensão de si mesmo e do outro. Este diálogo revela duas instâncias segundo Platão. A primeira é necessidade de comunicação e a segunda é aquela em diálogo revela uma maneira original de ser homem.
Para o Platão, existe dois de homens: o que vive segundo espírito, aquele que anseia e contempla as Ideias, ou seja, o homem ideal, que já superou o sensível e do outro lado o homem que procura viver segundo a visão do sensível das coisas. Aquele que vive ainda na vida instintiva, que está ainda no estágio de contradições e confusões. O primeiro é o homem filósofo e o segundo é não filósofo que deve ser ultrapassado.
Nestas duas concepções do homem existe uma componente condicionante: o corpo. Este, é visto por Platão como entrave para elevação do homem na contemplação das ideias,  por isso é um obstáculo a ser superado para tornar a sua existência completa. Apesar disso Platão vê esta dicotomia (corpo-alma) como necessária e  fundamental para a existência. Vamos lembrar-nos que para os filósofos originários os opostos são necessários para uma compreensão global da realidade.
Com Platão a especulação filosófica atingiu inesperadamente uma de suas expressões mais alta. No pano histórico ela representa um esforço de síntese entre Heraclito (devir da realidade sensível) e Parmenides (ser do mundo real), a serviço da vida moral e cívica do homem (Socrates).
A característica dominante do pensamento de Platão está dualismo: ser em si e coisas que participam do ser, inteligível e sensível, alma e corpo, etc.
Portanto, Platão soube aproveitar este dualismo para dar a toda as atividades humanas sentido transcendente, movimento vertical, valor perene. De fato, o seu poderoso apelo para as ideias ultra-terrenas é uma das mensagens mais nobres jamais comunicadas à humanidade.
Platão busca o homem como projeto de si; neste sentido platônico, a palavra projeto significa o “universo” de cuidados que o homem realiza para se tornar humano. O homem é um projeto, isto é, ele pensa tudo: as coisas, os objetos, os acontecimentos, a sua própria existência se torna um objeto de reflexão. Por isso, a concepção de homem, na filosofia de Platão, não toma o homem como um ser genérico, mas como o ser humano concreto explicitado na figura humana real e existencial de Sócrates. E como o homem se revela em Sócrates? Como um sujeito que vive entre os outros homens, que fala sobre as coisas que os outros falam e que também fala com e para os outros homens. Portanto, o homem é um interlocutor, um sujeito ativo de diálogo. E essa abertura do homem como participante do diálogo se faz como possibilidade de oposição aos outros modos de enxergar a realidade.
Por isso, a relação corpo e alma se mostra como demarcadora de um enfoque particular. No pensar de Platão a alma adquire uma importância específica. O homem é um estrangeiro, um ser que se distancia de si mesmo, pois a sua alma não está aí no seu lugar.
Platão dá-nos a entender que toda a reflexão acerca da vida e do mundo deve partir do próprio homem. Na medida em que se desenrola esse estudo, o homem vai se constituindo. Platão, o homem sendo concreto, é a ele que direciona de modo particular o seu discurso, homem esse representado pela figura de Sócrates. Nesse caso, Sócrates deixa de ser uma forma de expressão, passando a ser entendido «como a expressão filosófica em si mesma», ou o exemplo de um homem filosófico por excelência. Deste modo, se pode entender como a filosofia exalta os vários aspectos fundamentais no contexto reflexivo sobre o homem; isto é, o homem é anterior ao próprio filosofar. Ele posiciona-se diante dos problemas da existência como também diante de si mesmo. Esse posicionamento ultrapassa toda e qualquer filosofia sistematizada.
Platão, ao distinguir o homem filósofo como aquele que vive segundo o espírito e o não filosófico aquele que vive segundo a visão sensível das coisas, faz com que a alma adquira uma importância singular, em detrimento do corpo, considerado com entrave para a existência. Mas «esta problemática é uma relação dinâmica que só terá existência se for vivida. Portanto, a dualidade alma-corpo é algo fundamental para a compreensão mais abrangente da existência».



A condição do homem na visão Aristotélica, considerando o reconhecimento de que é ele um exemplar da espécie humana. 

Segundo Aristóteles a condição do homem se efetiva quando há o retorno do homem a si mesmo, tornando-se ele algo de positivo. Assim como todos os entes da natureza, ele traz em si mesmo seu sentido próprio. O Homem representa, para si mesmo, um caso; sendo o exemplar de uma espécie. Assim ele é e afirma-se como sendo um homem, por isso, alcança consciência de si mesmo enquanto homem e não enquanto este homem. É, para si mesmo, um ele, e nunca um eu.

Para o Aristóteles, o homem, como todos os seres deste mundo são constituido de matéria (corpo) e alma (espírito). Apesar de que, este procura exprimir o que existe de particular na relação com todos outros seres, por um lado, por outro, porque se esforça por situar o seu eu no conjunto psicofísico e dar a esse eu uma certa função espiritual.
Aristóteteles coloca o homem no topo de todos os valores. Ele fala do homem concreto (o Fato Homem), o vivente ( o corpóreo) com todas as suas dimensões ( o elevado que há nele e também o mais baixo). É o homem que aceita o seu lugar no universo, na terra, que contempla a si mesmo, a natureza e o mundo. Não o homem exilado do corpo (como em Platão), mas que vive num mundo concreto, o sublunar. Este homem tem o sentido de um ser natural no conjunto da natureza, e este natural significa conforme a ordem das coisas, tentando responder sempre a um fim.  
O questionamento aristotélico parte da concepção do homem como um fato concreto. Sua condição psicofísica comparada a dos outros seres. Aristóteles categoriza a espécie humana junto com as demais dentro do conjunto da natureza. Aristóteles abrange em sua concepção de homem o que há de mais elevado e o que há de mais inferior. Em Aristóteles o homem aceita seu lugar no universo, ele está na terra contemplando a si mesmo, a natureza e o universo. Ele tem consciência de que pertence a uma ordem universal, onde tudo tem sua finalidade. Este homem que sabe seu lugar vive simultaneamente na natureza e em seu próprio mundo. Nessa concepção o homem retorna a si mesmo, sendo ele, em sua totalidade, corpo-alma, algo positivo. Carrega em si seu sentido próprio assim como os outros entes também em si trazem seus sentidos.
Aristóteles nos dá uma visão realista do mundo e do homem. Do mundo enquanto, opondo-se ao idealismo platônico, fez das ideias formas da matéria. Do homem enquanto faz o conhecimento intelectivo proceder da experiencia e enquanto afirma que as ideias universais, em seu significado, têm certa correspondência com a realidade externa.
A “condição humana” na filosofia aristotélica está no entendimento que  o ser humano vive a sua vida inserido no conjunto global da natureza e, ao mesmo tempo, vive a peculiaridade do seu próprio mundo. Na concepção antropológica de Aristóteles o homem carrega em si mesmo o seu próprio sentido. Dessa maneira, o homem necessita construir a razão de sua existência assim como os demais seres na natureza.

O fato de Aristóteles tomar como fundamento de seu pensar a existência concreta do homem como um ser que está inserido no conjunto da natureza e que – a partir desta consciência de pertença a este conjunto natural – precisa afirmar a sua humanidade de um modo peculiar. Neste sentido, o homem é entendido como um ser racional, aquele que tem a possibilidade de construir um sentido para a sua existência, que a torne razoável, justificada pela razão, por isso da afirmação peculiar de que a essência do homem reside na razão. Essa afirmação perpassa como referência a história das ideias.

Para o Aristóteles, ao contrário de Platão, o homem permanece na terra e contempla a si mesmo, a natureza e o mundo. O homem retorna-se a si mesmo, tornando-se algo de positivo. Ao falar de si mesmo, sendo o exemplar de uma espécie, alcança consciência de si mesmo enquanto homem e não enquanto este homem. Concluindo, «é, para si mesmo, um ele, e nunca um eu».

(autora do resumo de discussão: Eneide Pompiani de Moura)


CONCLUSÃO DO PROF VICENTE SOBRE O TEMA:

“Na antiguidade grega inicialmente vamos encontrar a força propulsora de tudo que desafia o homem a produzir mitos, o mistério, que envolve a vida e o ser. O homem sente-se como que jogado na existência, em meio à multiplicidade de fenômenos, que o desafiam e que ele tem de ordenar ou organizar, dando significado, em função de um viver. Não só em função da sobrevivência física ou biológica, como todo animal, mas também em função da sobrevivência psicológica e social; o que é próprio do ser humano. Há uma relação estreita entre homem e cosmos. Nesse passo temos uma antropologia cosmocêntrica. Nesse link estão, por exemplo, Homero e Hesíodo, apesar de neles já aflorarem alguns elementos de um humanismo que procurava e buscava definir um ideal humano de vida que, partindo embora dos limites da situação existencial do homem, dele depende e por ele é criado.
Passando para a antiguidade clássica vamos encontrar Protágoras (485-411 a.C) que por primeiro formulou, numa expressão clássica, a necessidade do homem de avaliar tudo, o que em termos amplos significa a necessidade de tudo mundanizar. Disse ele: “Pánton chremáton métron estin ánthropos (De todas as coisas, sobretudo as de uso e costume, o homem é a medida)”.
Surge nesse momento a passagem de uma antropologia cosmocêntrica para uma antropologia antropocêntrica. Nesse contexto vamos perceber a atuação dos autores pré-Socráticos (a corrente sofística), Sócrates, Platão, Aristóteles e as correntes posteriores (epicurismo, estóicos e os neoplatônicos).
Platão realmente estabelece uma antropologia centrada no dualismo cosmológico e antropológico, concebendo a vida humana, em força da sua própria estrutura, como sendo tensão a resolver-se. Tensão que não se exaure no horizonte da vida pessoal. Ela continua vigente na vida da polis. A sociedade repete, no nível macroscópico-social, aquilo que cada pessoa é no nível individual.
No plano individual o homem é composto por corpo e alma, ou seja, o humano só pode ser completo se for dual. Assim, Platão inaugurou o que ficou conhecido como dualismo. Para ele, o homem não pode ser compreendido apenas pelo corpo ou pela alma. O corpo segundo ele é a morada da alma. A alma é a que dá vida à mente, e, esta permite o intelecto e por fim o conhecimento. Assim sendo, o homem é tem duas moradas: a concepção do corpo em antítese ontológica com a alma. Assim ele nos diz no Fédon 67 A: “Além disso, por todo o tempo que durar nossa vida, estaremos mais próximos do saber, parece-me, quando nos afastarmos o mais possível da sociedade e união com o corpo, salvo em situações de necessidade premente, quando, sobretudo, não estivermos mais contaminados por sua natureza, mas, pelo contrário, nos acharmos puros de seu contato...

Segundo Platão, o homem tem uma centelha do divino. O que mais aproxima da essência divina é o amor que deve ser naturalmente algo que vem da alma, pois esse sentimento vai impulsionar a alma à verdade. (FEDRO). O Dualismo corpo-alma, a imortalidade da alma, a transcendência, são temas importatíssimos em Platão.”


Passando ao nosso querido Aristóteles, inicialmente podemos destacar que ele é tido por alguns como sendo o primeiro a conceber a antropologia enquanto ciência, buscando também realizar uma sistematização filosófico-científica no que se refere ao debate sobre o homem. Ele responderá ao questionamento de “quem é homem?”, apontando para uma interpretação da vida do ser humano, no contexto da vida em geral. Nasce aqui a vinculação de uma pertença política porque na origem o homem é social. Entra nesse contexto o debate sobre a ética e a vida prática. Assim sendo, a concepção aristotélica de homem centra-se em suas capacidades racional e discursiva, ambas intimamente ligadas à capacidade social. Dada a sua natureza racional, o homem atinge a plenitude de seu ser na posse do conhecimento. A atividade reflexiva permite ao homem afastar-se de sua condição finita e aproximar-se da natureza divina, pois a filosofia primeira é conhecer as causas, que são produzidas por Deus e objeto do conhecimento divino. Assim sendo, para nosso Estagirita o homem realmente é especial e foi tratado por ele com tanta maestria, que podemos dizer que a sua antropologia alcança até hoje os fundamentos da concepção ocidental do homem.

 (autor: Prof Vicente Sergio Brasil Fernandes)


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