quarta-feira, 28 de março de 2012

Período greco-romano no Universo Medieval visão da Antropologia Filosófica



Texto de Eneide Pompiani de Moura sobre discussão em fórum com o tema “O Universo Medieval” da disciplina "Tópicos de Antropologia Filosófica" do curso de Pós-graduação em Filosofia da Existência, coordenado pelo Prof Vicente Sergio Brasil Fernandes (março/2012).

1)     Para o mundo grego-romano a filosofia e a vida não podem ser vistas separadamente. Que implicações temos para a filosofia com essa nova perspectiva?

No contexto da filosofia grega-romana, a reflexão filosófica, torna-se um diálogo  constante em direção ao homem e ao filósofo, à vida e à filosofia. Há uma valorização do homem como tal, como ele de fato é. Pois, as afirmações “eu vivo”, “eu sou homem”, vale agora para o filósofo. Neste contexto, há o desenvolvimento de uma terminologia antropológica e, quando expressas, são inteligíveis enquanto se referem a vida.

Assim, no período greco-romano as reflexões filosóficas centram-se no homem, partindo de suas experiências. A filosofia passa a ser vista como o desenrolar da própria vida do homem. É preciso que a fundamentação filosófica tenha em vista essa vida, perseguindo incessantemente os seus fins. Com isto, a filosofia aparece como possibilidade de interpretação de idéias e valores que podem ajudar o homem a progredir em sua existência. Iluminado pela filosofia, o homem procurará os alicerces onde assentará a sua vida.

           


2)     Essa nova concepção sobre a filosofia traz também para o sentido antropológico?

Aristóteles situa o homem como uma criatura da natureza, considerada do ponto de vista biológico, na concepção do mundo greco-romano percorre um outro caminho completamente diferente através do histórico-pessoal com referência a tudo aquilo que, na vida do homem, pode ser contado; aquilo que possui importância pessoal e que, para poder ser valorizado, precisa que ele veja sua vida a partir de si mesmo, tentando definir sua condição de pessoa. Portanto, não vale mais a descrição do homem como um ser impessoal que se situa na ordem da natureza independente de toda experiência particular, como afirmava Aristóteles.

A filosofia greco-romana tem como objetivo compreender a própria vida, valorizando e dando conta, a partir da linguagem, da vida do homem tal como ela é e acontece. Carrega assim, a tarefa do homem compreender a totalidade de sua vida, construindo os significados conscientes de sua existência.

Essa nova concepção sobre a filosofia trás uma valorização do homem como tal, como ele é de fato. O filósofo fala para os outros homens enquanto homem, buscando seu estatuto antropológico na experiência da vida. Dá-se o desenvolvimento de uma terminologia antropológica baseada em 'verdades vitais' como a brevidade da vida, a instabilidade da existência, a corruptibilidade, a fragilidade, a morte, etc.

          Com este período, o homem deve construir a sua vida, perseguindo os fins conscientemente colocados para si. O homem deve lutar para ter a posse de si próprio, refugiando-se em si mesmo. É preciso que o homem torne possível manter-se sempre leal aos seus objetivos e a eles conseguir subordinar tudo o que faz parte da sua vida.

Para o mundo grego-romano a filosofia e a vida são inseparáveis porque a antropologia aparece na história da filosofia em tempos um tanto recentes, aquilo que ele designa foi sempre objeto de estudo em todos os períodos da história. O homem foi estudado pela filosofia grega, assim como pela filosofia cristã, e pela filosofia moderna e contemporânea. Não foi, porém, estudado sempre do mesmo modo, do mesmo ponto de vista, do mesmo ângulo. Na filosofia clássica grega o homem foi estudado a partir da perspectiva cosmocêntrica; na filosofia cristã de uma perspectiva teocêntrica; na filosofia moderna e contemporânea, de uma visão antropocêntrica.
Antropológicamente a filosofia grego-romana assume um dado novo: não pode existir se não tiver uma relação íntima com o problema da existência. Ou seja, a filosofia terá sustentação  se for apresentada em função dos problemas da vida. E estas questões (problemas) são sobre o próprio homem, partindo de suas experiências.

3)     Podemos considerar que a antropologia agostiniana especifica que o homem não estando contente consigo mesmo, busca um novo “eu”?

Aurélio Agostinho, tem como ponto de partida a concepção de homem a partir de sua própria experiência interior. Em sua obra “Confissões” ele afirma: “Eis que habitavas dentro de mim e eu lá fora a procurar-Te”.
Agostinho se baseia na certeza de que a vida está sempre presente para nós mesmos. Somos nós que a definimos e construímos. Assim, simultaneamente a vida é o que eu decido e essa mesma vida escapa, parece fugir de mim. Essa experimentação da vida como uma realidade que se dá e se esconde, esse caráter fugidio da existência gera insegurança, dispersão e nostalgia de uma vida que deseja se compreender efetivamente. Mas essa nostalgia não é passiva. Coloca o homem, por inteiro, em movimento. E na experiência agostiniana faz com que o pensador busque transcender, ultrapassar as suas possibilidades.
Agostinho aprofunda as experiências vividas de uma maneira individual. Na antropologia agostiniana a questão homem (individualizado) toma o lugar central.
Em Agostinho, encontramos o um fato novo: o homem como sujeito capaz de tomar decisões capazes de mudar a sua história (decisão histórica). Um como possuí uma vontade própria capaz de ter consciência do seu existir tendo em conta isto, na antropologia encontramos a tomada de decisão como um voluntarismo, baseado numa crença da realidade existente (existo para além de qualquer prova), que ajuda o homem a elaborar uma essência interior.

Agostinho propõe que a vontade, o amor e o desejo de ser feliz são os elementos da dinâmica da vida que explicitam a natureza do homem e parte do seu próprio coração dilacerado. A esfera da vontade capacita o homem para a luta.

Para o Bispo de Hipona a unidade da vida somos nós que a formamos, assim como a certeza da mesma. Mas ao mesmo tempo em que somos os responsáveis por nossas vidas, estas aparecem como algo inatingível: a vida escapa-nos, foge de nós, não possuimos a nossa vida. Enfim, não nos podemos alcançar. O homem não pode aceitar a resignação, o aniquilamento; antes aceita o combate; a vida do homem é, em si própria, dramática; uma luta constante entre forças opostas, originada pela tensão da vontade. Portanto, a vontade é a fonte de tudo: gera a força, a consciência de estar vivo, o desejo de ser feliz...enfim, a vontade em Santo Agostinho engloba toda a vida emotiva do homem, seus instintos e seus impulsos.
Para Agostinho não há uma crise inconsciente, pois a unidade de vida somos nós que a formamos, assim como a certeza da mesma. Por isso, estamos sempre presente para nós mesmos.

As obras agostinianas são essencialmente centrada no homem e em Deus. No estudo da alma Agostinho acredita ser nela que Deus se manifesta  através da luz da revelação cristã.

Podemos observar nas reflexões de Santo Agostinho temas como o mal, o pecado, a liberdade a pessoa, auto-transcendencias não abordados no pensamento grego. 
Santo Agostinho enfrenta o problema da origem da alma: porque foi ela produzida, por Deus ou pelos pais? Agostinho aí discute as duas soluções opostas: criacionismo e traducionismo. A antropologia de Agostinho se inspira em Platão: a mesma dicotomia entre alma e corpo, a redução do homem essencialmente à alma, a completa autonomia do conhecimento intelectivo com respeito a qualquer contrinuição do corpo. Para o Agostinho no que concerne à antropologia ele está certo, por um lado, que Platão oferece uma solução que está substancialmente de acordo com a fé cristã, mas achá-la filosoficamente fraca.

Autora: Eneide Pompiani de Moura




Conclusões Finais do Prof Vicente Sérgio Brasil Fernandes:

Toda cultura brota do chão da vida de um povo e, sob a chuva e o adubo dos fatos dessa vida, ela cresce e se diversifica e se enriquece. E a cultura grega não fugindo disso, podemos dizer, é fundamentada em um de seus traços fortes de vida que é o humanismo, isto é, numa atitude de procura e de definição de um ideal humano de vida que, tendo como base inicial os limites existencial do homem, dele depende e por ele é criado, constituindo-se no que conhecemos como “helenismo”. E o exemplo dessa realidade se encontra nas obras primeiras de Hesíodo e Homero. O mito traz profundos traços dessa realidade que é vida-viva.
É claro que as histórias que os mitos contavam, ou melhor, as histórias que eles eram, não podem comprovar-se faticamente. Contudo, as razões para que as pessoas os concebessem como verdadeiros estava centrada na razão existencial. Os mitos revelavam-se portadores de significado par a vida do grupo. Como nos diz Tiago Adão Lara, “a vida, por meio deles, como que se orientava, adquiria uma direção plausível”.
Na passagem do mito para a filosofia esse tema só não desaparece como tornar-se ainda mais premente. As ideias agora brotam de num espaço sócio-econômico e político. Nele elas se tornam compreensíveis, porque dele retiram, de uma maneira ou de outra, o vigor e a configuração própria. Aos seus problemas tentam elas responder, constituem respostas a problemas vivenciados concretamente.
A compreensão da filosofia como algo incompleto dá a ela, segundo a minha visão, um sentido de pulsar, de vida permanente, que nos remete à sua vivência, à vivência do filosofar. Realmente, desde a antiguidade essa questão de uma coerência entre o viver (indivíduo) e a polis (coletivo) é algo insistente. Tal pensamento tem como resultante uma atitude extrema que foi a de Sócrates. Sócrates ao oferecer-se à morte fez demonstrar aos Sofistas que não valia à pena uma vida na pólis sem pensar-se na mesma. Para ele falar da pólis sem sentir-se parte dela era algo vazio, sem sentido autêntico.
             É isso. Falar do filosofar enquanto processo e não viver o processo é absolutamente sem sentido para os clássicos. É matar a filosofia. E, assim, como conseqüência disso temos a resposta à segunda questão que deixei para todos e todas pensarmos, e para a qual vocês deram belas respostas. Vou apenas pontuar o que se segue.
Efetivamente esse helenismo focado no homem começa a tomar sua singular figura na perspectiva, por exemplo, de Protágoras como o seu conhecido “bordão filosófico”: “o homem é medida de todas as coisas”. E a sofística respondeu a essa provocação, qual seja, a de traduzir o significado de um projeto cultural, que inovava e, inovando, sacudia a consciência grega, obrigando-a a perguntar-se pelos fundamentos das suas instituições e da sua própria vida. Portanto, aqui temos um foco eminentemente antropológico que a filosofia nascente toma, uma vez que “o homem medida de tudo” significava que não eram mais os deuses que estavam comandando e dando as cartas; ou seja, cabia agora ao homem pensar e determinar os moldes da própria existência, inclusive perguntando-se sobre ele mesmo.
Inicialmente cabe destacar que é na obra de Agostinho que o conceito antropológico cristão se amplia e se aprofunda, fazendo com que um marco na história ocidental. Destaco três fontes que colaboraram para a visão antropológica que Agostinho construiu.
1ª) O neoplatonismo que foi a fonte de formação do pensamento filosófico agostiniano. Apesar de alguns demonstrarem pontos de contradição entre as teses neoplatônicas e as cristãs a que Agostinho aderiu, principalmente no que se refere ao maniqueísmo, podemos encontrar fundamento no tocante ao tema da estrutura do “homem interior” que ele elabora, onde Deus aparece como interior e superior. Tal fato se equipara ao noûs da antropologia neoplatônica.
2ª) A antropologia fundada no pensamento de São Paulo que fará com que o pensamento agostiniano veja o homem na perspectiva da salvação. Com base nisso ele formula a doutrina do pecado original e da graça e, aprofunda a questão ao debater os conceitos de livre-arbítrio.
3ª) A antropologia que encontramos na narração do texto bíblico que trata da criação. Esse tema constitui um tema dos mais importantes nas meditações de Agostinho, como podemos perceber nos livros XI a XIII das Confissões, o De Genesi ad litteram, o De Genesi contra manichaeos e outras várias passagem da obra. Aqui aparece um tema fundamental da antropologia agostiniana, qual seja, o homem imagem de Deus que Agostinho trata com tanto esmero.
Com base nisso, podemos dizer que seriam assim as características fundamentais da antropologia agostiniana: o homem como um ser uno; o homem como um ser itinerante; o homem como um ser-para-Deus.

Autor: Prof Vicente Sérgio Brasil Fernandes


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