terça-feira, 11 de outubro de 2011

Interpretação do UNO segundo PLOTINO

Resumo de Eneide Pompiani de Moura
do texo original da Disciplina "O modo de conceber e fazer filosofia de alguns pensadores medievas".
Curso de Pós-Graduação em Filosofia da Existencia
Universidade Católica de Brasilia - 2011 

(Enneade V, 2, 1- 2)
“o Uno é todas as coisas e não é nenhuma delas;
princípio de todas as coisas, 
ele não é todas as coisas, 
pois todas as coisas são o Primeiro 
e não são o Primeiro 
porque este permanece em si próprio, dando-lhe a existência”. 
 Assim, como diz Brun:
A processão põe-nos, portanto, em presença de um monismo que não é
verdadeiramente uno e de um pluralismo que também não é verdadeiramente
múltiplo; é aí que reside o fundo e originalidade do plotinismo que é,
simultaneamente, uma filosofia da continuidade e uma filosofia da
descontinuidade. (Brun, 1991, 44)


Depois de ter examinado o Uno a partir do mundo sensível múltiplo, 
é essencial investigar agora como se
dá o movimento de produção da multiplicidade a partir do Uno.
Examinemos, então, as três hipóstases,
com vistas a entender como essa processão e interdependência se instaura.

A preocupação de Plotino está ligada ao fato de que as almas, por terem caído na matéria, perderam-se
nelas e esqueceram de sua proveniência, correndo em sentido contrário a Deus 
(Plotinus. Enneade VI, 1,1); por isso, a tarefa do filósofo 
é estabelecer como a realidade – inclusive as almas individuais e os
corpos materiais - provém do Uno e a ele retorna, sem negar a diversidade.

O Uno, a partir do qual tudo de processa, 
é superabundância de vida e 
- permanecendo em si mesmo,
sem perder nada de sua vida -
é totalmente transcendente; 
a razão que trabalha por raciocínios 
não tem acesso a ele, 
pois o Uno está acima do Ser; 
ele - a que damos o nome de Uno, 
mas que não tem nome -
dá o ser a tudo que existe. 
Para falar dele 
só o podemos por imagens ou metáforas: 
o fogo que
necessariamente irradia calor, 
o perfume que exala fragrância, 
o sol que esparge raios de luzes sem nada
perder dele mesmo, 
como a mãe que, ao gerar o filho, 
dá nova vida permanecendo intacta, 
ou como a vela acesa, 
na qual se acende outra vela, sem diminuir a intensidade de sua luz.

Como vimos,
do Uno procede,
em primeiro lugar, 
a Inteligência, 
que se identifica com o conhecimento do
mundo da Idéias.
Ela depende só do Uno e a ele contempla.
Portanto, ela não é mais totalmente una,

pois se duplica na contemplação do uno 
e se multiplica no conhecimento de suas idéias.
O Uno é totalmente um;
mas a Inteligência, por não ser totalmente una,
Plotino diz que ela é ‘um e muitos’.

Da inteligência procede a Alma:
a alma do mundo 
e as almas individuais. 
A Alma cósmica 
tem menos unidade que a Inteligência,
pois contempla o Uno,
as múltiplas Idéias da Inteligência 
e os múltiplos corpos do mundo sensível
aos quais ela dá existência enquanto é sua forma. 
Assim, a Alma, como a Inteligência,
é um e muitos.
Os corpos materiais, ao contrário, são muitos, 
pois sem a forma das almas
são pura multiplicidade.

A Inteligência é o primeiro ato do Bem, o primeiro ser. O Bem permanece em
si próprio; ele age tal como vive circulanndo à volta dele. Fora da Inteligência
e em seu torno circula a Alma; olha para a Inteligência e, ao contemplá-la até
à sua intimidade, vê por ela o Deus supremo. (Plotinus. Enneade I, 8,2)
Há em primeiro lugar o Uno, que está para lá do ser [...], depois, a seguir a
ele, o Ser e a Inteligência e, em terceiro lugar, a natureza da Alma. (Plotinus.
Enneade VI, 1,10)

Essas três hipóstases fazem parte da natureza das coisas, elas também estão presentes em nós, diz
Plotino, enquanto somos almas espirituais, exteriores ao elemento sensível. Aliás, as almas individuais
estão intimamente unidas à Alma do mundo. Por isso, se estamos perdidos no meio do mundo sensível e nos esquecermos de nossa origem, não é preciso sair de nós mesmos para encontrar nossa origem (Deusou o Uno), basta entrar no íntimo de nós mesmos e lá encontraremos nossa união essencial à Alma, ao Espírito e ao Uno.

Assim sendo, a salvação do homem não é uma fuga de si mesmo para buscar algo que está fora de nosso ser: desde sempre estamos unidos ao Uno, pois só existimos graças a essa proveniência divina;
devemos, pois, tomar consciência desse processo circular de saída e volta à nossa origem. Nossa
salvação consiste em esvaziar-nos de tudo o que é material – normalmente a alma se perde fascinada
pela beleza das coisas materiais - a fim de unir-nos consciente e livremente a Deus. 
Podemos viver essa união com Deus, já aqui na terra, através do método extático, entre outros. Literalmente, ‘extase’ significa sair para fora de nós mesmos (como sempre entenderam os místicos cristãos); em Plotino, ao contrário, significa sair de nossa dispersão e miragem exteriores e voltar-se para dentro de nós mesmos com vistas a sermos o que desde sempre somos: nossa existência, como a dos outros entes, só se dá enquanto fundada na Causa última que é Deus uno, que dá forma e vida a tudo o que é real.

À medida que a matéria é como o esvaziamento ou esgotamento dessa super-abundância de vida e força
que parte do Uno, passando pela Inteligência e Alma cósmica no do movimento da processão, ela é
multiplicidade e, assim, não tendo unidade, não tem mais ser nem bem. 
E, à medida que é destituída de ser e bem, é um mal. Daí que se torna importante a missão do homem enquanto encarnado num corpo: conduzir, não só sua alma, mas todas as coisas materiais à Fonte originária de onde tudo proveio e para onde tudo retorna nesse movimento circular de processão.

Desta forma, para Plotino, como para Platão, a essência do homem é a alma. 
Mas ela tem uma dupla tarefa: de um lado, ela deve esvaziar-se de tudo o que é material para, em sua espiritualidade, poder unir-se a Deus, que está além de todo ser e razão; de outro lado, contudo, as almas individuais, à medida que são unidas à única Alma que dá forma e existência a todos os corpos do universo, aparecem como mediadoras entre as hipósteses unas e a matéria múltipla, tornam-se responsáveis pela reintegração dos corpos materiais nesse perpétuo movimento de saída e retorno ao Uno, causa última que dá vida e existência a tudo.



Referencia bibliografica:
LIBERA, Alain de. A filosofia medieval. Tradução Nicolas Nyimi Campanário e Yvone Maria de Campos
Teixeira da Silva. São Paulo: Loyola, 1998. 532p.
Pensar na Idade Média. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Edição 34, 1999. 356p.
PLOTINO. Tratados das Enéadas. (Apenas 12 dos 54 tratados). Trad de Américo Sommerman. São
Paulo: Polar Editorial, 2000. 188p.
PLOTINUS. The six Enneads. Chicago: The University of Chicago, 1952 (By Encyclopaedia Britannica).

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