sábado, 17 de setembro de 2011

“Todas as ciências são mais importantes do que essa, mas nenhuma lhe é superior.” (Aristóteles)



Autora: Eneide Pompiani de Moura
 A proposta deste texto é discutir a frase de Aristóteles: 
 “Todas as ciências são mais importantes do que essa,

mas nenhuma lhe é superior.”

 (Aristóteles)


                    Aristóteles (1), pensador da Antiguidade Clássica grega realizou uma extensa e profunda síntese das teorias desenvolvidas naquele período atuando como, filosofo, historiador das idéias e dos valores de sua época através de uma criteriosa sistematização através da criação da lógica formal e organizando e dividindo em áreas específicas do conhecimento. 


        Fundou a escola Liceu, onde apresentou uma nova visão de mundo, que ficou demarcada através de suas obras como: A Política (onde demonstra que a sociabilidade seria uma das características essenciais dos seres humanos); Ética a Nicômaco (onde coloca como objetivo principal à busca do homem pela felicidade; o que só poderia se realizar no plano social e na luta pela consolidação da cidadania), na Metafísica onde concebe o desejo de conhecimento como uma característica definidora, intrínseca e natural relativamente a todos os seres humanos (1), Órganon (obras relacionadas com a lógica), Arte Poética (pedagogia da arte particularmente no teatro trágico) (4).


    Aristóteles partia de textos filosóficos de outros autores, particularmente de Platão e Parmênides, expondo as suas principais idéias de forma crítica. (1)


              Em sua obra Metafísica (3), Aristóteles afirmou que “o desejo de conhecer é próprio e natural no Homem” e que “a filosofia nunca nasce das ciências nem pela ciência. Também jamais se poderá equipará-la às ciências. É lhes antes anteposta, e não apenas logicamente ou no quadro do sistema das ciências. A filosofia se situa num domínio e num plano da existência inteiramente diverso, na mesma dimensão da filosofia e de seu modo de pensar situa-se apenas a poesia. Entretanto, pensar e poetar não são, por sua vez, coisas iguais”.

            Aristóteles (5) distingue seis formas ou graus de conhecimento: sensação, percepção, imaginação, memória, raciocínio e intuição. Para ele, nosso conhecimento vai sendo formado enriquecido por acumulação das informações trazidas por todos os graus, de modo que, em lugar de uma ruptura entre o conhecimento sensível e intelectual, Aristóteles estabelece uma continuidade entre eles. Em cada uma das seis formas ou graus de conhecimento temos acesso a um aspecto do Ser ou da realidade e, na intuição intelectual, temos o conhecimento pleno e total da realidade ou dos princípios da realidade plena e total que Aristóteles chamou de “O Ser enquanto Ser”.


Há muito tempo os filósofos procuram elaborar uma classificação geral das ciências, mais por que isto é tão difícil ainda nos dias de hoje? Simplesmente por que há inúmeras variáveis dando possibilidade a inúmeras questões como: O que é exatamente o conhecimento científico?

Qual a extensão deste conhecimento? Qual a sua relação com os outros tipos de conhecimento? Resposta: Dependendo de como as questões sejam encaminhadas, surge um tipo de classificação das ciências.



Segundo Aristóteles, a finalidade básica das ciências seria desvendar أ constituição essencial dos seres, procurando defini-la em termos reais. Ao abordar a realidade, reconhecia a multiplicidade dos seres percebidos pelos sentidos. Assim, tudo o que vemos, pegamos, ouvimos e sentimos é aceito como elemento da realidade sensível. Para Aristóteles, a observação da realidade leva-nos à constatação da existência de inúmeros seres individuais, concretos, mutáveis, que são captados pelos nossos sentidos (realidade sensorial). Assim, é a partir da existência do ser é que devemos atingir sua essência, através de um processo de  conhecimento que caminha do individual e especifico para o universal e genérico levando ao método indutivo. (7)    

              
 Aristóteles divide a ciência em três grupos básicos:


a) O das ciências Teóricas: que tinha por objetivo o conhecimento puro e racional do mundo. Por exemplo: Física, Matemática, Biologia etc.

b) O das ciências Práticas: que tinha por objetivo o conhecimento de princípios fundamentais a serem aplicados no comportamento social e intelectual do homem. Por exemplo: Moral, Política e Lógica.


c) Na Poética: Aristóteles estabeleça as características e os fins da tragédia. Estabelece para o teatro as regras das três unidade: ação, tempo e lugar.

            A Metafísica de Aristóteles segundo interpretação de Giovanni Reale, nos livros Aristóteles: Metafísica e Historia da filosofia Antiga, vol II (2); Reale esclarece que ao dizer ciência quer se referir a uma atitude ativa de investigação, assim, Reale apresenta a Metafísica de Aristóteles como ciência através de quatro definições: 
- como ciência das causas e princípios supremos
- como ciência do ser enquanto ser.
- como ciência da substancia.
- como ciência de Deus e da substancia supra-sensível.



A Metafísica como ciência das causas e princípios supremos tem como característica a sua universalidade, por que para ser causa precisa ser material, com um formato ou forma (ter uma estética física estática), ser eficiente ou motora (no sentido de poder se transformar e levar ao movimento) e ter uma finalidade (é o devir para qual todas as coisas tendem – é o primeiro Motor onde toda causa final tende).


A Metafísica como ciência das causas e princípios supremos é a filosofia primeira que investiga as causas e os princípios (ou causas) primeiros e últimos. Os princípios (arqué) ou causas (aitía) primeiros é a razão para uma coisa ser o que é ( com todas as características que citei acima). Os últimos princípios ou causas é a busca de toda realidade fundando o ente em sua totalidade. Aristoteles diz: “Deus é supremo e o ultimo principio” – metafísica como ciência divina).


A Metafísica como ciência do ser enquanto ser – uma ontologia – (estudo do ser). Para Aristóteles é a pesquisa das causas e princípios últimos do ser como uma totalidade mais de muitos modos e não univocamente. Em sendo muitos eles se unificam na substancia. Assim é na multiplicidade estrutural dos diversos sentidos do ser que está a ciência do ser enquanto ser que se unifica na substancia que é a totalidade do ser.


A Metafísica como ciência da substancia, onde a substancia (ousia) é o principio ou causa unificadora de todos os sentidos. O ser tem múltiplos significados mais é unificada na substancia – princípios/causas supremas da substancia.Assim Ser e Substancia são a mesma coisa. Aristóteles defende que a Substancia pode ser tudo: a substancia sensível (Sócrates) como supra-sensível (Platão).


            Em minha interpretação, a Metafísica de Aristóteles como ciência das causas e princípios supremos – a substancia poderá assumir três características: Forma (morphé, eidos) onde alem das características físicas há simultaneamente a essência intima das coisas (por exemplo: uma flor tem a sua forma de flor mais também a sua essência de planta em sua alma vegetativa. Matéria que é aquela que se revela como parte constituinte das coisas concretas; substancia das coisas com certos limites físicos (que é a forma da matéria). Aristóteles conclui que todas as coisas são composições – sínolo – de matéria e forma concretas ou simplesmente substancias (ousia).


A Metafísica como ciência de Deus e da substancia supra-sensível – teologia – ou coisas divinas, onde Deus é a essência, causa e princípio último de todas as coisas e realidades. Em Aristóteles Deus é o grau supremo, o fundamento e princípio de toda a realidade conhecida por ser a substancia primeira supra-sensível eterna. Deus, para Aristóteles é uma substancia separada, imóvel (Motor Imóvel), eterna e transcendente ao sensível. O primeiro Motor de Aristóteles é a causa final, pois todos os entes se movem em sua direção (Deus) afim de imitar a sua perfeição.


As partes da metafísica identificadas por Reale como características da metafísica de Aristóteles foi uma forma didática que Reale encontrou para que tentássemos entender os paradigmas Aristotélicos. Em minha opinião são quatro as formas de interpretar a mesma ciência metafísica ocorrem simultaneamente embora sob enfoques diferentes. Assim quando me refiro a metafísica como ciência das causas e princípios ou filosofia primeira também estou falando do ser enquanto ser, da substancia e de Deus.


Quando Reale nos aponta para a particularidade da multiplicidade do Ser em seus múltiplos significados, Reale esclarece que na verdade a "soma" desta multiplicidade dá "origem" a substancia. Aristóteles abarca o conhecimento Platônico e Socrático sugerindo que o mundo sensível e supra-sensível são na verdade manifestações em "dimensões" ou entendimento diferentes.


            Concordo com Russel (9) quando afirma que “a filosofia deve ser estudada não com o objetivo de se chegar a alguma resposta definitiva às suas questões, já que nenhuma resposta definitiva pode, como regra, ser reconhecida como verdadeira. Ela deve ser estudada em virtude das próprias questões, pois essas questões ampliam nossa concepção do que seja possível, enriquecem nossa imaginação intelectual e diminuem as certezas dogmáticas que fecham nossa mente a especulação. Mas, sobretudo, ela deve ser estudada por que, graças à grandeza do universo que a filosofia contempla, a mente também é engrandecida e se torna capaz daquela união com o universo que constitui o mais alto dos bens”.


Reale (4) destaca um ponto em comum entre Platão e Aristóteles quanto o ato de filosofar, sugerindo a sua importância frente às outras ciências: “De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da admiração, na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das dificuldades mais simples; em seguida, progredindo pouco a pouco chegam a enfrentar problemas sempre maiores, por exemplo, os problemas relativos aos fenômenos da lua, do sol e dos astros, ou os problemas relativos a todo o universo”.


            Ao que parece, hoje, a ciência moderna busca o conhecimento com o fim de dominação não só das leis naturais como ao seu semelhante. Em oposição a este pensar está a filosofia que busca refletir a realidade, não para subjugá-la ou ser um meio de controle ao próximo mais como uma forma libertadora a serviço do bem comum.


            A filosofia deve ser entendida como um modo particular de buscar, compreender de forma racional, sistemática e rigorosa tudo o que existe. Por isso, filosofar é indagar-se sistematicamente sobre as questões fundamentais do existir.  Embora, em alguns momentos, nos pareça que outras ciências são mais importantes do que a filosofia sua relevância está justamente na sua revelação do inexato, no déficit, na defasagem no modo de colocar-se no mundo e em si mesmo, o ser vivente racional. É neste ponto de vista da singularidade da Filosofia frente aos outras ciências que ela se mostra superior.


A Filosofia causa, no homem, incomodo em sua tendência de acomodação. A filosofia não busca substituir a ação das ciências, mas, ao contrário, quer subsidia-las e enriquece-las sob a forma de planejamento e reflexão. A filosofia sabe que o melhor alcance do homem será sempre imperfeito e provisório, justamente o oposto proposto pelas outras ciências que tentam a todo preço desvalorizar o ato de filosofar.


            É no Ato de Filosofar que a Filosofia se diferenciar das outras ciências, mesmo que elas sejam tidas como superiores, é no inicio do espanto, ou com o maravilhar-se, com aquela sensação de estranhamento, que é produzida a partir do momento em que nos deparamos com algo novo, que não compreendemos (que seria o chamado conflito cognitivo), nos leva a questionar a maneira habitual e corriqueira com a qual vínhamos pensando e vivendo até o presente momento e que por este ato de filosofar é percebido como singular com novo significado (1). O que mais tarde Merleau-Ponty vai definir a filosofia como “a verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo”.


            Diria que é na Filosofia que nos é possibilitado o exercício de nossa humanidade através da reflexão crítica com propriedade sobre os vários caminhos já trilhados no passado, os que estão sendo trilhados no presente e o que podemos esperar para o futuro. É nesta visão holística do Ser que é possível buscar novas e melhores formas de nos relacionarmos com os outros seres humanos não importando em qual sociedade esteja inserido o homem nos seus modelos de crenças, valores e culturas. 


            Acredito que a filosofia tenha como característica uma certa forma, em sua singularidade, de compreender o nosso mundo. A filosofia busca superar os preconceitos e aparência da realidade onde a importância está na essência dos fenômenos. O conhecimento filosófico é dinâmico por isso não deve ser considerado como uma expressão de verdade absoluta. 


            O verdadeiro filósofo, como a exemplo de Aristóteles, busca ultrapassar o saber de sua época indo ao encontro do desconhecido. Pelo seu potencial de critica, a filosofia poderá ser considerada ou desconsiderada perigosa pelo poder estabelecido que prefere manipular a massa a faze-la auto-crítica.


Na atualidade, Panikkar (8) é um exemplo concreto da importância da filosofia frente às outras ciências, onde através de seu ato de filosofar afirma que: “Ninguém, individual ou coletivamente, tem uma visão nem controle do conjunto da experiência humana, e menos ainda de toda realidade”. 


Panikkar defende, o que ele chama de “Pluralismo”, que além de haver respostas diferentes, as perguntas são mutuamente incomensuráveis, por que nenhum homem é um "respondedor" das perguntas dadas, mas sim um "perguntador". Panikkar ainda afirma que “a autocompreensão pertence à própria natureza humana. Em todo julgamento, em toda afirmação, há uma certa pretensão de validez.” Ficando assim demonstrado a importância da Filosofia frente às outras ciências nos dias de hoje.


Assim, reafirmando o que já foi dito anteriormente, para responder as questões: Como metafísica tende realizar qual fim? Para que serve a metafísica? A metafísica é, para Aristóteles, a mais nobre das ciências porque é a ciência dos fundamentos de toda a realidade; ela não serve para nada de particular. A Filosofia/Metafísica não é uma ciência prática, que visa resolver problemas imediatos e empíricos. A metafísica nasce do estupor que o filósofo sente diante do ser das coisas, nasce do amor do saber pelo simples desejo de saber. E é justamente nesse saber que o ser humano entra em contato com Deus, que é pensamento de pensamento. Nesse sentido, o filósofo, enquanto reflete e pensa sobre o pensamento de pensamento, alcança a plena realização do seu ser; e assim é o mais feliz dos humanos. Por isso, ele pode dizer que “todas as outras ciências são mais necessárias que esta, mas nenhuma lhe será superior” (Metafísica A 2, 983 a 10 s), porque, nela e com ela, o ser humano realiza, de modo pleno, sua natureza racional (9).


“ O Ser se exprime de muitos modos,
mas nenhum modo exprime o Ser.
O Ser se diz em vários sentidos.”




(Aristóteles)

Autora: Eneide Pompiani de Moura

Referencia bibliográfica:
1.      Andrade JH. Filosofia. 1.a edição. Ed. Poliedro.  2010, 176 p.
2.      Apostila Pós-graduação Filosofia e Existência 2011 da Universidade Católica de Brasilia - UEA 01 – O modo de conceber e fazer Filosofia de alguns pensadores gregos. 76 p.
3.      Aristóteles. Metafísica. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão. RJ: Tempo Brasileiro, 1969, p. 59.
4.      Aristóteles. Metafísica. Texto grego com tradução ao lado de Giovanni Reale. São Paulo: Loyola, 2002. A, 2, 982 b, 12).
5.      Chauí M. Filosofia. 1.a ed. Ed Atica. 2007. 231 p.
6.      Cotrim G. Fundamentos da Filosofia para uma geração consciente. Ed Saraiva – 3.a ed. 1988. 224 p.
7.      Cotrim G. Fundamentos da Filosofia. Historia e Grandes temas. 6.a ed.  Ed. Saraiva. 2007. 304 p.
8.      Panikkar R. O Espírito da Política – Homo Politicus. Tradução de Mercês Rocha. Ed. Triom. 2005. 225 p.
9.      Russel, B. Historia do pensamento ocidental. Trad. Laura Alves e Aurélio Rebello. RJ: Ediouro, 2003 il. (Clássicos de outro ilustrados). 13 p.


Um comentário:

  1. Avaliação do texto pela Profa Rochelle Cysne Frota D'Abreu da Universidade Católica de Brasília – disciplina do Curso de Pós-graduação em Filosofia e Existência.

    Nota na escala de 0 a 100 --- nota: 97

    O trabalho está excelente, mas poderia ter apresentado um contato maior com o próprio texto aristotélico, bem como maior aprofundamento do itinerário Aristotélico no rpimeiro livro da metafísica. Assim, ele ficou mais ligado aos comentadores do que ao próprio Aristóteles e assim, faltou um posicionamento da própria autora.

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