quarta-feira, 28 de março de 2012

Antropologia Agostiniana na busca de um novo “Eu”.


Texto de Eneide Pompiani de Moura com o tema “O Universo Medieval – Antropologia Agostiniana” da disciplina "Tópicos de Antropologia Filosófica" do curso de Pós-graduação em Filosofia da Existência, coordenado pelo Prof Vicente Sergio Brasil Fernandes (março/2012).


      A antropologia agostiniana busca o ponto de vista do EU, através do aprofundamento da história interior da vida, como também da busca da individualidade através das situações afetivas/experiências vividas.

         Em sua obra “Confissões” Santo Agostinho sob um enfoque religioso reflete sobre o “ser” espiritual, onde o ser humano se dá conta de forma sistemática dos componentes e dos sentidos de uma abordagem da sua experiência interior. É no relato da conversão que Santo Agostinho mostra a decisão histórica da vida como sendo a vida um fenômeno pleno de historicidade.

         A antropologia agostiniana especifica que o homem quando não esta contente consigo mesmo ele busca um novo “eu”, isto pode ser observado com a decisão histórica do próprio Agostinho quando num primeiro momento ele é um famoso professor de oratória a procura de fama e num segundo momento quando é acometido por uma doença decide interromper a sua carreira e objetivo para tomar uma outra decisão histórica que neste caso foi quando Agostinho abraça o cristianismo. O mais importante nesta decisão (2.o momento) é o seu dominio de uma história interior da vida (1.o momento) para um desvio de sua função vital como forma de reação interior frente aos novos fatos de sua vida – doença – escolhendo o 2.0 momento como sua decisão histórica buscando um novo eu.

            Agostinho não nega a nova situação da fragilidade de sua saúde ao contrário por meio de SUA VONTADE – voluntariarismo – ele busca uma outra convicção de verdade para o seu projeto de vida, reelaborando em sua essência a sua pessoa espiritual como forma motivadora para o seu novo projeto de vida interior despertando uma nova motivação psicológica.

             A crença na realidade de Agostinho acentua que a unidade da vida somos nós que a formamos e que nós estamos sempre presentes para nós mesmos.

           O sentimento imediato da vida e de tudo que nela acontece vem do paradoxo onde a vida escapa dando o sentido da fugacidade da vida; do pânico por constatar que a vida é inapreensível onde o homem teme o que nele é desconhecido; do ser passageiro onde tudo em mim é passageiro não conseguindo ser plenamente ele mesmo sem se dispersar não encontrando a realidade dando a sensação de insegurança, dispersão e nostalgia; a nostalgia como positividade é nela que o homem consegue se ultrapassar não estando acomodado com a vida que leva estando sempre presente os seus desejos principalmente os ligados a busca da felicidade desencadeando a culpabilidade por não extrair tudo o que pode de si; contradição, tensão e vontade são temas que supõe um adversário estando presentes na experiência religiosa de Agostinho manifestado pelo drama interior a que o homem está sujeito através das suas lutas interiores onde a esperança é a ação como forma de erguer como principio o valor ligado à tensão da vontade que é fator gerador de força e consciência da sua personalidade de estar vivo. Assim, é pela vontade que a vida emotiva é englobada assim como seus instintos e seus impulsos e por último o ser da revolta ou a revolta do ser onde o homem em Agostinho não se aceita como é e a busca da felicidade como algo impossível já o faz infeliz levando a revolta contra si próprio por não se admitir como ele é. Se considera como miserável ou um não-ser, Agostinho relaciona a felicidade com a saúde como um estado psicofísico ideal lavando a tensão ao seu grau extremo de sua vontade.

            Agostinho não aceita a idéia do ser humano ser reduzido a um numero de possibilidades limitadas e ainda não definidas. Agostinho quer governar e ultrapassar a vida através da tensão e da vontade. Por isso acredita que a personalidade está em constante construção. Agostinho não acredita na renuncia a si próprio mais na continuação do perseguir a possibilidade e a vontade de ser essencialmente concreto.


Esquematicamente as atitude Agostiniana podem ser analisada em 4 fases:

1) A tomada de consciência da situação;
2) A configuração espiritual de suas motivações pela abertura à significação capital de seu momento histórico vital;
3) A concepção das conseqüências desta experiência vivida, interpretação e compreensão da impossibilidade, ou, numa expressão fenomenológica, consciência do conteúdo de adversidade;
4) O engajamento: o motivo o faz engajar ou o motiva a dar à história interior de sua vida uma outra trajetória. Trata-se de uma decisão ativa de sua vontade, liberdade - a respeito do que deseja ser uma elaboração do que deve ser o outro Agostinho - outra vez usando um termo fenomenológico - é a consciência de possibilidade.


 Autora: Eneide Pompiani de Moura


terça-feira, 27 de março de 2012

Visão greco-romana em busca da compreensão da filosofia da vida.

Texto de Eneide Pompiani de Moura sobre “O Universo Medieval” da disciplina "Tópicos de Antropologia Filosófica" do curso de Pós-graduação em Filosofia da Existência, coordenado pelo Prof Vicente Sergio Brasil Fernandes (março/2012).

1)     Para o mundo grego-romano a filosofia e a vida não podem ser vistas separadamente. Que implicações temos para a filosofia com essa nova perspectiva?

A visão greco-romana representada por Sêneca, Cícero, Marco Aurélio e Epicteto busca compreender a “filosofia da vida” onde quem pergunta é o homem (a priori humano) e o filósofo tenta responder através do caráter existencial da presença do homem no mundo e com isso fazendo uma união entre a filosofia e a vida. Lembrando que na cultura grega quem pergunta é o filósofo e o homem tenta responder.

Na perspectiva greco-romana, o foco esta na concepção do homem e na sua personalidade com uma singularidade, onde são levadas em conta as características pessoais, as experiências de vida e as necessidade pessoais onde o homem pergunta e o filósofo busca responder-lo.

No contexto da filosofia greco-romana a experiência de cada pessoa passa a ser vital para o surgimento de novas noções sobre o homem tal como ele é de fato.



2)     Essa nova concepção sobre a filosofia traz também para o sentido antropológico?

O sentido antropológico do universo medieval está na valorização da vida humana e seus problemas existenciais, que serão respondidos pela filosofia.

     A condição essencial está na preservação da relação consigo mesmo através de um “novo homem” onde ele mesmo apresenta questões a seu modo possibilitando às diferentes teorizações filosóficas.

     A “filosofia da vida” tem como princípio se ater a si próprio (através da própria experiência) sem sofrer influencia filosófica. A filosofia passa a ter um papel interpretativo das idéias e valores dos homens bem como os acontecimentos (concretos ou pessoais) e idéias/valores filosóficos que os afetam.

     O sentido Antropológico está na interpretação da “filosofia da vida” através dos relatos da vida pessoal que se alternam com as considerações genéricas à respeito da existência e das pessoas. Assim, tem-se conclusões sobre um modo de como a vida pode ser vivida através da perspectiva histórico-pessoal. Dá-se importância a vida pessoal à partir de si mesmo definindo sua condição de pessoa.

     A valorização da personalidade humana como busca traz o seu estatuto antropológico na experiência da vida. O elemento pessoal – o ato pessoal – é quem determina a maneira como são postas as questões. Há uma tomada de consciência reflexiva em relação ao que acontece com o homem e com o que esta a sua volta.

     Na visão Antropológica esta tomada de consciência (ato pessoal) passa do geral ao particular e do particular para o geral. Há uma transferência de representações filosóficas para a linguagem usual através das referencias às “verdades vitais”, que não precisam ser previamente justificadas (como por exemplo: a morte, a fragilidade, a solidão, a corruptibilidade etc.). Há um sentido de luta do homem consigo mesmo e a vida.

Autora: Eneide Pompiani de Moura

Visão segundo Platão e Aristóteles na Antropologia Filosófica

Texto de Eneide Pompiani de Moura baseado nas discussões do fórum sobre “O Universo Medieval” da disciplina "Tópicos de Antropologia Filosófica" do curso de Pós-graduação em Filosofia da Existência, coordenado pelo Prof Vicente Sergio Brasil Fernandes (março/2012).


A correspondência existente entre o homem e o mundo e a figura do filósofo na concepção Platônica. O homem como projeto de si, tendo o corpo como um entrave para e na existência segundo Platão.

Na concepção Platônica, o homem é entendido como um filósofo, ou seja, como aquele que se posiciona diante dos problemas da existência como também diante de si mesmo através do processo da reflexão sobre a sua existência que homem concreto vai  se tornando filósofo. Isto significa dizer que o homem, neste sentido, para ele, tudo (o mundo) se torna, objeto de reflexão. Assim, o homem apresenta o caminho que pode conduzir à filosofia. Assim, a figura do filósofo não é anterior ao homem, mas sim posterior. Segundo Platão é no dialogar que o homem se vai reconhecendo.
O homem, situado e concreto, é o caminho que pode nos levar à prática da filosofia.
Para Platão o corpo surge quase como um entrave. Daí a necessidade de compreender a problemática alma-corpo como possuidora de um sentido que não está somente na questão psicofísica. Pois, esta problemática é uma relação dinâmica que só terá existência se for vivida. Porque, de um lado temos o homem prático e de outro, o homem filósofo.
A alma na experiência do filosofar tem grande importância e nessa experiência o corpo surge como um obstáculo. Homem filósofo e homem não-filósofo são opostos. A dicotomia corpo-alma não é apenas uma questão física e psicológica, ela precisa ser vivenciada e é vista por Platão como fundamental para a existência, é o que permite uma vasta compreensão da existência. O homem platônico é um estrangeiro, é alguém que vive a distância de si mesmo. A contemplação é a forma que este homem encontra para transformar a si mesmo. Ele não está confinado no próprio mundo, mas mantém uma relação constante com o supra-sensível, com as idéias com o inteligível, dessa maneira ele pode ultrapassar a si mesmo.      
Portanto, a dicotomia alma-corpo é vista como algo fundamental para a existência, é ela que permite uma compreensão mais abrangente da existência.
De uma forma geral podemos afirmar que Platão afirma a liberdade absoluta do homem, reconhecendo-lhe uma natureza espiritual que não pode ser, em hipotese alguma acorrentada às forças do mundo. Para Platão, o homem, é essencialmente alma, espírito e por isso, o unico problema, para o homem, é o de resgatar a sua alma da prisão do corpo.
Segundo Platão é no dialogar que o homem se vai reconhecendo . O diálogo é a auto-expressão do homem, antes de qualquer sistematização filosófica. O homem faz-se no diálogo. Isto é, começa uma compreensão de si mesmo e do outro. Este diálogo revela duas instâncias segundo Platão. A primeira é necessidade de comunicação e a segunda é aquela em diálogo revela uma maneira original de ser homem.
Para o Platão, existe dois de homens: o que vive segundo espírito, aquele que anseia e contempla as Ideias, ou seja, o homem ideal, que já superou o sensível e do outro lado o homem que procura viver segundo a visão do sensível das coisas. Aquele que vive ainda na vida instintiva, que está ainda no estágio de contradições e confusões. O primeiro é o homem filósofo e o segundo é não filósofo que deve ser ultrapassado.
Nestas duas concepções do homem existe uma componente condicionante: o corpo. Este, é visto por Platão como entrave para elevação do homem na contemplação das ideias,  por isso é um obstáculo a ser superado para tornar a sua existência completa. Apesar disso Platão vê esta dicotomia (corpo-alma) como necessária e  fundamental para a existência. Vamos lembrar-nos que para os filósofos originários os opostos são necessários para uma compreensão global da realidade.
Com Platão a especulação filosófica atingiu inesperadamente uma de suas expressões mais alta. No pano histórico ela representa um esforço de síntese entre Heraclito (devir da realidade sensível) e Parmenides (ser do mundo real), a serviço da vida moral e cívica do homem (Socrates).
A característica dominante do pensamento de Platão está dualismo: ser em si e coisas que participam do ser, inteligível e sensível, alma e corpo, etc.
Portanto, Platão soube aproveitar este dualismo para dar a toda as atividades humanas sentido transcendente, movimento vertical, valor perene. De fato, o seu poderoso apelo para as ideias ultra-terrenas é uma das mensagens mais nobres jamais comunicadas à humanidade.
Platão busca o homem como projeto de si; neste sentido platônico, a palavra projeto significa o “universo” de cuidados que o homem realiza para se tornar humano. O homem é um projeto, isto é, ele pensa tudo: as coisas, os objetos, os acontecimentos, a sua própria existência se torna um objeto de reflexão. Por isso, a concepção de homem, na filosofia de Platão, não toma o homem como um ser genérico, mas como o ser humano concreto explicitado na figura humana real e existencial de Sócrates. E como o homem se revela em Sócrates? Como um sujeito que vive entre os outros homens, que fala sobre as coisas que os outros falam e que também fala com e para os outros homens. Portanto, o homem é um interlocutor, um sujeito ativo de diálogo. E essa abertura do homem como participante do diálogo se faz como possibilidade de oposição aos outros modos de enxergar a realidade.
Por isso, a relação corpo e alma se mostra como demarcadora de um enfoque particular. No pensar de Platão a alma adquire uma importância específica. O homem é um estrangeiro, um ser que se distancia de si mesmo, pois a sua alma não está aí no seu lugar.
Platão dá-nos a entender que toda a reflexão acerca da vida e do mundo deve partir do próprio homem. Na medida em que se desenrola esse estudo, o homem vai se constituindo. Platão, o homem sendo concreto, é a ele que direciona de modo particular o seu discurso, homem esse representado pela figura de Sócrates. Nesse caso, Sócrates deixa de ser uma forma de expressão, passando a ser entendido «como a expressão filosófica em si mesma», ou o exemplo de um homem filosófico por excelência. Deste modo, se pode entender como a filosofia exalta os vários aspectos fundamentais no contexto reflexivo sobre o homem; isto é, o homem é anterior ao próprio filosofar. Ele posiciona-se diante dos problemas da existência como também diante de si mesmo. Esse posicionamento ultrapassa toda e qualquer filosofia sistematizada.
Platão, ao distinguir o homem filósofo como aquele que vive segundo o espírito e o não filosófico aquele que vive segundo a visão sensível das coisas, faz com que a alma adquira uma importância singular, em detrimento do corpo, considerado com entrave para a existência. Mas «esta problemática é uma relação dinâmica que só terá existência se for vivida. Portanto, a dualidade alma-corpo é algo fundamental para a compreensão mais abrangente da existência».



A condição do homem na visão Aristotélica, considerando o reconhecimento de que é ele um exemplar da espécie humana. 

Segundo Aristóteles a condição do homem se efetiva quando há o retorno do homem a si mesmo, tornando-se ele algo de positivo. Assim como todos os entes da natureza, ele traz em si mesmo seu sentido próprio. O Homem representa, para si mesmo, um caso; sendo o exemplar de uma espécie. Assim ele é e afirma-se como sendo um homem, por isso, alcança consciência de si mesmo enquanto homem e não enquanto este homem. É, para si mesmo, um ele, e nunca um eu.

Para o Aristóteles, o homem, como todos os seres deste mundo são constituido de matéria (corpo) e alma (espírito). Apesar de que, este procura exprimir o que existe de particular na relação com todos outros seres, por um lado, por outro, porque se esforça por situar o seu eu no conjunto psicofísico e dar a esse eu uma certa função espiritual.
Aristóteteles coloca o homem no topo de todos os valores. Ele fala do homem concreto (o Fato Homem), o vivente ( o corpóreo) com todas as suas dimensões ( o elevado que há nele e também o mais baixo). É o homem que aceita o seu lugar no universo, na terra, que contempla a si mesmo, a natureza e o mundo. Não o homem exilado do corpo (como em Platão), mas que vive num mundo concreto, o sublunar. Este homem tem o sentido de um ser natural no conjunto da natureza, e este natural significa conforme a ordem das coisas, tentando responder sempre a um fim.  
O questionamento aristotélico parte da concepção do homem como um fato concreto. Sua condição psicofísica comparada a dos outros seres. Aristóteles categoriza a espécie humana junto com as demais dentro do conjunto da natureza. Aristóteles abrange em sua concepção de homem o que há de mais elevado e o que há de mais inferior. Em Aristóteles o homem aceita seu lugar no universo, ele está na terra contemplando a si mesmo, a natureza e o universo. Ele tem consciência de que pertence a uma ordem universal, onde tudo tem sua finalidade. Este homem que sabe seu lugar vive simultaneamente na natureza e em seu próprio mundo. Nessa concepção o homem retorna a si mesmo, sendo ele, em sua totalidade, corpo-alma, algo positivo. Carrega em si seu sentido próprio assim como os outros entes também em si trazem seus sentidos.
Aristóteles nos dá uma visão realista do mundo e do homem. Do mundo enquanto, opondo-se ao idealismo platônico, fez das ideias formas da matéria. Do homem enquanto faz o conhecimento intelectivo proceder da experiencia e enquanto afirma que as ideias universais, em seu significado, têm certa correspondência com a realidade externa.
A “condição humana” na filosofia aristotélica está no entendimento que  o ser humano vive a sua vida inserido no conjunto global da natureza e, ao mesmo tempo, vive a peculiaridade do seu próprio mundo. Na concepção antropológica de Aristóteles o homem carrega em si mesmo o seu próprio sentido. Dessa maneira, o homem necessita construir a razão de sua existência assim como os demais seres na natureza.

O fato de Aristóteles tomar como fundamento de seu pensar a existência concreta do homem como um ser que está inserido no conjunto da natureza e que – a partir desta consciência de pertença a este conjunto natural – precisa afirmar a sua humanidade de um modo peculiar. Neste sentido, o homem é entendido como um ser racional, aquele que tem a possibilidade de construir um sentido para a sua existência, que a torne razoável, justificada pela razão, por isso da afirmação peculiar de que a essência do homem reside na razão. Essa afirmação perpassa como referência a história das ideias.

Para o Aristóteles, ao contrário de Platão, o homem permanece na terra e contempla a si mesmo, a natureza e o mundo. O homem retorna-se a si mesmo, tornando-se algo de positivo. Ao falar de si mesmo, sendo o exemplar de uma espécie, alcança consciência de si mesmo enquanto homem e não enquanto este homem. Concluindo, «é, para si mesmo, um ele, e nunca um eu».

(autora do resumo de discussão: Eneide Pompiani de Moura)


CONCLUSÃO DO PROF VICENTE SOBRE O TEMA:

“Na antiguidade grega inicialmente vamos encontrar a força propulsora de tudo que desafia o homem a produzir mitos, o mistério, que envolve a vida e o ser. O homem sente-se como que jogado na existência, em meio à multiplicidade de fenômenos, que o desafiam e que ele tem de ordenar ou organizar, dando significado, em função de um viver. Não só em função da sobrevivência física ou biológica, como todo animal, mas também em função da sobrevivência psicológica e social; o que é próprio do ser humano. Há uma relação estreita entre homem e cosmos. Nesse passo temos uma antropologia cosmocêntrica. Nesse link estão, por exemplo, Homero e Hesíodo, apesar de neles já aflorarem alguns elementos de um humanismo que procurava e buscava definir um ideal humano de vida que, partindo embora dos limites da situação existencial do homem, dele depende e por ele é criado.
Passando para a antiguidade clássica vamos encontrar Protágoras (485-411 a.C) que por primeiro formulou, numa expressão clássica, a necessidade do homem de avaliar tudo, o que em termos amplos significa a necessidade de tudo mundanizar. Disse ele: “Pánton chremáton métron estin ánthropos (De todas as coisas, sobretudo as de uso e costume, o homem é a medida)”.
Surge nesse momento a passagem de uma antropologia cosmocêntrica para uma antropologia antropocêntrica. Nesse contexto vamos perceber a atuação dos autores pré-Socráticos (a corrente sofística), Sócrates, Platão, Aristóteles e as correntes posteriores (epicurismo, estóicos e os neoplatônicos).
Platão realmente estabelece uma antropologia centrada no dualismo cosmológico e antropológico, concebendo a vida humana, em força da sua própria estrutura, como sendo tensão a resolver-se. Tensão que não se exaure no horizonte da vida pessoal. Ela continua vigente na vida da polis. A sociedade repete, no nível macroscópico-social, aquilo que cada pessoa é no nível individual.
No plano individual o homem é composto por corpo e alma, ou seja, o humano só pode ser completo se for dual. Assim, Platão inaugurou o que ficou conhecido como dualismo. Para ele, o homem não pode ser compreendido apenas pelo corpo ou pela alma. O corpo segundo ele é a morada da alma. A alma é a que dá vida à mente, e, esta permite o intelecto e por fim o conhecimento. Assim sendo, o homem é tem duas moradas: a concepção do corpo em antítese ontológica com a alma. Assim ele nos diz no Fédon 67 A: “Além disso, por todo o tempo que durar nossa vida, estaremos mais próximos do saber, parece-me, quando nos afastarmos o mais possível da sociedade e união com o corpo, salvo em situações de necessidade premente, quando, sobretudo, não estivermos mais contaminados por sua natureza, mas, pelo contrário, nos acharmos puros de seu contato...

Segundo Platão, o homem tem uma centelha do divino. O que mais aproxima da essência divina é o amor que deve ser naturalmente algo que vem da alma, pois esse sentimento vai impulsionar a alma à verdade. (FEDRO). O Dualismo corpo-alma, a imortalidade da alma, a transcendência, são temas importatíssimos em Platão.”


Passando ao nosso querido Aristóteles, inicialmente podemos destacar que ele é tido por alguns como sendo o primeiro a conceber a antropologia enquanto ciência, buscando também realizar uma sistematização filosófico-científica no que se refere ao debate sobre o homem. Ele responderá ao questionamento de “quem é homem?”, apontando para uma interpretação da vida do ser humano, no contexto da vida em geral. Nasce aqui a vinculação de uma pertença política porque na origem o homem é social. Entra nesse contexto o debate sobre a ética e a vida prática. Assim sendo, a concepção aristotélica de homem centra-se em suas capacidades racional e discursiva, ambas intimamente ligadas à capacidade social. Dada a sua natureza racional, o homem atinge a plenitude de seu ser na posse do conhecimento. A atividade reflexiva permite ao homem afastar-se de sua condição finita e aproximar-se da natureza divina, pois a filosofia primeira é conhecer as causas, que são produzidas por Deus e objeto do conhecimento divino. Assim sendo, para nosso Estagirita o homem realmente é especial e foi tratado por ele com tanta maestria, que podemos dizer que a sua antropologia alcança até hoje os fundamentos da concepção ocidental do homem.

 (autor: Prof Vicente Sergio Brasil Fernandes)


O Universo Medieval visão da Antropologia Filosófica






Texto de Eneide Pompiani de Moura referente ao fórum de discussão sobre “O Universo Medieval” da disciplina "Tópicos de Antropologia Filosófica" do curso de Pós-graduação em Filosofia da Existência, coordenado pelo Prof Vicente Sergio Brasil Fernandes (março/2012).

1.    A correspondência existente entre o homem que interpreta a vida e o mundo e a figura do filósofo, tão presente na concepção platônica.

A Práxis filosófica através da utilização do diálogo dando possibilidades para o surgimento de novas concepções sobre si mesmo e sobre o mundo. É no diálogo (preconizado por Platão) que está a condição da existencia humana.
A Polis passa a ser um indutor da existência do homem que vive em sociedade.
A ontologia, a maneira de ser do homem, vai estar diretamente vinculada à vida na polis e o seu modo coletivo de viver.
O modo de ser grego está ligado à vida na polis e expresso através do diálogo como um compromisso com uma unidade de fala comum. Há uma ação mais ativa do EU no mundo visando uma posição de liberdade ou autonomia do Ser em relação às forças legitimadas e legitimadoras da cultura.
O Sentido da Existência dos gregos está em três planos: a vida individual representada pelo plano individual; valores morais representado pelo plano espiritual e o mundo da natureza que é o plano da posição do homem no universo dado.




        2.    O homem como projeto de si, tendo o corpo como que um entrave  para e na existência segundo Platão.


O homem grego em Platão é sempre concreto. 

Platão elege Sócrates em seus diálogos como o homem filósofo.

O Corpo é o ZOE (vida animal) que o limita. O BIOS é a Vida Ideal que habita o homem e representa a vida política.

Para Platão há dois mundos de consciência: o mundo sensível ligado aos cinco órgãos do sentido (visão, audição, paladar, olfato e tato) e o mundo supra-sensível ligado aos pensamentos. A relação entre estes dois mundos (sensível e supra-sensível) se faz através da palavra.

                   É pela palavra que é criado o diálogo. 
                  Diálogo que pressupõe a existência   concreta daquele que fala 
                  e o outro que ouve. 

É através da superação do mundo sensível que o diálogo platônico (mundo supra-sensível) inaugura a fundamentação do homem como INTERSUBJETIVIDADE ou o modo de como se apresenta o reconhecimento da existência do outro.

É através do mundo supra-sensível que o reconhecimento da existência do outro se faz de forma concreta e o leva ao respeito ao outro. Conseqüentemente ao respeito da existência do outro através da intersubjetividade superando o mundo sensível – o corpo – como entrave.

O homem platônico é um Ser da “distancia de si” – não tem o seu lugar no universo. Platão prioriza a contemplação como transformação de si pois é no mundo supra-sensível que ele pode ultrapassar a si mesmo.


3.    A condição “homem”, tão fortemente presente na visão aristotélica, considerando, principalmente, o reconhecimento de que é ele um exemplar da espécie humana.

Aristóteles acredita que o homem pertence a Terra e contempla a si mesmo, a partir do MUNDO SUBLUNAR em que vive concretamente.

Há o mundo humano e espiritual que existem simultaneamente.
Para Aristóteles o que é alguma coisa tem existência para um fim e nós podemos compreende-lo.

Para Aristóteles o homem possui um sentido que habita a si mesmo, logo, tudo se compreende porque tudo é forma podendo ser definido e reproduzido.

Há o retorno do homem a si mesmo de forma positiva. Não existe o acaso para Aristóteles.

A compreensão do homem aristotélico é quando o próprio homem se considera como UM CASO – na 3.a pessoa do singular – UM ELE – como parte de uma espécie, não pessoal, logo, não há um eu persona em Aristóteles.

Em Aristóteles o homem aceita o seu lugar no universo como um ser humano, na espécie humana entre outras espécies viventes na Terra, numa hierarquia. O ser humano, que está na Terra, é capaz de contemplar a si, a natureza e ao mundo.

Aristóteles reconhece o “fato homem” em sua constituição psicofísica e as compara com as demais espécies vivas.
Aristóteles não reconhece a Alma Platônica mas a constituição do homem como psicofísico.

Autora: Eneide Pompiani de Moura

quinta-feira, 22 de março de 2012

Simone Weil: Meditação sobre a obediência e a liberdade




Texto de Eneide Pompiani de Moura referente ao Grupo de estudo Filosofia e Política da Universidade Católica de Brasília – Pólo São Paulo – Coordenado pela Profa. Rochelle Cisne Frota D Abreu.  (março/2012).



Este texto é baseado no artigo:
Simone Weil: Meditação sobre a obediência e a liberdade
(trad.: Emília Maria M. de Morais)


Simone WEIL (1909-1943): Meditação sobre a obediência e a liberdade (1937). (Projeto de artigo) In: Oppression et liberté, Paris, Ed. Gallimard, 1955, p. 186-193[1]. Reimpresso em Oeuvres complètes, Écrits historiques et politiques, v. II, t. 2, Paris, Gallimard, 1991, p. 128-133. Tradução e notas de Emilia Maria M. de Morais.

O tema abordado por Simone Weil (1937)
ainda é uma realidade nos nossos tempos infelizmente.

            Segundo a autora, Simone Weil, o homem é um simples fragmento da natureza (mundo material) por existir nele a vontade, a inteligência e a fé ( que seria o homem espiritual)

            A submissão leva a obediência cega chegando ao extremo de risco de morte.

            O conhecimento do mundo material se desenvolveu à partir de Galileu com a noção de força. Foi à partir daí deste conceito que a organização do meio material pela indústria pode ser empreendido o mesmo acontecendo com o meio social. No meio social o desenvolvimento foi a aplicação do conceito de força através da “noção de força social”.
            No Maxismo a chave para o enigma social está na economia. A partir do entendimento maxista que considera uma sociedade como um ser coletivo que precisa ser entendido em suas necessidades básicas de vida, onde o indivíduo não pode ser definido pelas modalidades de produção.
            Diz Weil: “A guerra é a destriuição e não produção”.

            A obediencia e o comando são fenômenos dos quais as condições de produção não dão conta.
            A noção de força (e não a noção de necessidade), constitui a chave que permite ler os fenômenos sociais.

            O estudo do mecanismo social é complexo por se encontrar em todos e em cada um. De um lado há a massa obediente/subjulgada sob o comando de poucos, que querem conservar a ordem/hierarquia com seus privilégios (sob o subjulgado/obediente). Do outro lado, se faz uma apelo as massas para saírem do comodismo para outras possibilidades.

            O obediência cega da maioria das massas pode chegar ao ponto do sofrimento e morte enquanto um pequeno número de pessoas (possuidoras de um conjunto de força) estão no comando mesmo sendo a minoria social.

            A massa obediente não consegue formar um conjunto de força por isso se submetem aquele que pelo conjunto (embora sendo a minoria) tem maior força que a massa.

            A potencia de uma minoria (possuidora do conjunto de força) tem uma ação maior sobre os submissos (que são fracos – sem força de conjunto) que os obedece por essa coesão de força.

            Entretanto, como diz Weil: “Não se pode estabelecer a coesão se não entre uma pequena quantidade de homens”.

            A dominação no controle social se faz quando se desenvolve entre os oprimidos/obedientes/submissos cegos com o sentimento de impotência e inferioridade por sua natureza humana. Os dominadores se sentem mais fortalecidos e superiores quando conseguem o intento desejado sobre o outro na dominação massificada.

            Para Weil, a formula do “mal menor”, embora desacreditada pelo socialdemocratas, seria a única alternativa aplicável para o controle do mecanismo social.

            A ordem social, embora necessária é essencialmente má, pois, num extremo leva a efeitos de humilhação aos dominados/submissos/obedientes/oprimidos não lhes dando espaço para qualquer manifestação de suas virtudes, são sufocados pela coerção dos dominadores que não querem sair desta posição de poder sobre o outro.


Minhas considerações finais:
É importante sabermos nos posicionar
Quanto a realidade que nos cerca.
O comodismo,
A massificação,
Talvés seja o caminho mais fácil
Para aceitarmos a condição política que vivemos HOJE!
MAS...
Podemos SER e FAZER a diferença
Buscando a ação
para o EQUILIBRIO
De Forças.

A PAZ É A RESPOSTA!

(autora: Eneide Pompiani de Moura)






Texto original


Simone Weil: Meditação sobre a obediência e a liberdade
(trad.: Emília Maria M. de Morais)


Simone WEIL (1909-1943): Meditação sobre a obediência e a liberdade (1937). (Projeto de artigo) In: Oppression et liberté, Paris, Ed. Gallimard, 1955, p. 186-193[1]. Reimpresso em Oeuvres complètes, Écrits historiques et politiques, v. II, t. 2, Paris, Gallimard, 1991, p. 128-133. Tradução e notas de Emilia Maria M. de Morais.



A submissão do maior número ao menor, esse fato fundamental de quase toda organização social, não deixa de assombrar todos os que refletem um pouco. Na natureza, observamos os pesos mais pesados prevalecerem sobre os menos pesados, as raças mais prolíficas sobrepujarem as outras. Entre os homens, essas relações tão claras parecem invertidas. Decerto, sabemos por uma experiência cotidiana que o homem não é um simples fragmento da natureza e o que nele existe de mais elevado - a vontade, a inteligência, a fé – produz todos os dias espécies de milagre. Mas não é disso que se trata aqui. A necessidade impiedosa que manteve e mantém de joelhos massas de escravos, massas de pobres, massas de subordinados, nada tem de espiritual; ela é análoga a tudo o que existe de brutal na natureza. Como se, na balança social, o grama excedesse o quilo.


Há quase quatro séculos, La Boétie, no seu Contra-um, colocava a questão[2]. Ele não a respondeu. Sobre quantas ilustrações comoventes poderíamos apoiar seu pequeno livro, nós, que vemos em um país que cobre a sexta parte do globo, um único homem sangrar toda uma geração[3]. É quando inflige a morte, que o milagre da obediência salta aos olhos. Que muitos homens se submetam a um só por medo de serem mortos por ele, é bastante espantoso; mas que eles permaneçam submissos a ponto de morrer sob suas ordens, como compreendê-lo? Quando a obediência acarreta tantos riscos quanto a rebelião, como ela se mantém?


O conhecimento do mundo material no qual vivemos pôde se desenvolver a partir do momento em que Florença, depois de tantas maravilhas, trouxe à humanidade por intermédio de Galileu a noção de força. Foi somente então, que a organização do meio material pela indústria pôde ser empreendida. E nós que pretendemos organizar o meio social, dele não possuiremos sequer o conhecimento mais grosseiro enquanto não tivermos concebido claramente a noção de força social[4]. A sociedade não pode ter seus engenheiros enquanto não tiver seu Galileu. Existe neste momento, sobre toda face da terra, um espírito que conceba, mesmo vagamente, como é possível que um homem no Kremlin tenha a possibilidade de fazer rolar qualquer cabeça nos limites das fronteiras russas?


Os marxistas não facilitaram uma visão clara do problema ao escolher a economia como chave do enigma social. Se se considera uma sociedade como um ser coletivo, então esse grande animal[5], como todos os animais, define-se principalmente pelo modo como se assegura a nutrição, o sono, a proteção contra as intempéries, em resumo, a vida. Mas a sociedade considerada em sua relação com o indivíduo não pode se definir simplesmente pelas modalidades da produção. Por mais que se recorra a toda espécie de sutilezas para fazer da guerra um fenômeno essencialmente econômico, salta aos olhos que a guerra é destruição e não produção.  A obediência e o comando são também fenômenos dos quais as condições de produção não são suficientes para dar conta. Quando um velho operário sem trabalho e sem assistência perece silenciosamente na rua ou em um casebre, essa submissão que se estende até a morte não pode ser explicada pelo jogo das necessidades vitais. A destruição massiva do trigo, do café, durante a crise é um exemplo não menos claro. A noção de força, e não a noção de necessidade, constitui a chave que permite ler os fenômenos sociais[6].


Galileu não teve de se louvar, pessoalmente, por ter decifrado a natureza com tanto gênio e probidade; pelo menos ele se chocava apenas com um punhado de homens, poderosos especialistas na interpretação das Escrituras. O estudo do mecanismo social é entravado por paixões que se encontram em todos e em cada um. Não existe quase ninguém que não queira seja subverter, seja conservar as relações atuais de comando e de submissão.   Um desejo e o outro colocam uma névoa diante do olhar do espírito, e impedem de perceber as lições da história que mostram por todo lado as massas sob o jugo e alguns erguendo o açoite.


Uns, do lado que faz apelo às massas, querem mostrar que essa situação é não somente iníqua, mas também impossível, ao menos para um futuro próximo ou longínquo. Os outros, do lado que deseja conservar a ordem e os privilégios, querem mostrar que o jugo pesa pouco, ou que ele é mesmo consentido. Dos dois lados, lança-se um véu sobre o absurdo radical do mecanismo social, em vez de enxergar de frente esse absurdo aparente e analisá-lo para encontrar nele o segredo da máquina. Em qualquer domínio que seja, não existe outro método para refletir. O espanto é o pai da sabedoria, dizia Platão.


Visto que o grande número obedece, e obedece até deixar-se impor o sofrimento e a morte, enquanto o pequeno número comanda, não é verdade que a maioria seja uma força. O número, apesar do que a imaginação nos leva a crer, é uma fraqueza. A fraqueza está do lado onde se tem fome, onde se está esgotado, onde se suplica, onde se treme, não do lado onde se vive bem, onde se concedem favores, onde se ameaça. O povo não está submisso apesar de ser a maioria,  mas porque é a maioria. Se na rua um homem se bate contra vinte, sem dúvida, ele será deixado como morto sobre a calçada. Porém, sob um sinal de um homem branco, vinte coolies anamitas [7] podem ser espancados com golpes de chicote, um depois do outro, por um ou dois chefes de equipe.


A contradição, talvez, seja somente aparente. Sem dúvida, em qualquer ocasião, aqueles que ordenam são menos numerosos do que aqueles que obedecem. Mas precisamente porque são poucos numerosos eles formam um conjunto. Os outros, precisamente porque são muito numerosos, são um, mais um, mais um, e assim por diante. Assim a potência de uma ínfima minoria repousa apesar de tudo sobre a força do número.  Essa minoria prevalece muito em número sobre cada um daqueles que compõem o rebanho da maioria.  Não se deve concluir que a organização das massas inverteria a relação, pois ela é impossível. Não se pode estabelecer a coesão senão entre uma pequena quantidade de homens. Para além disso, não há mais que justaposição de indivíduos, quer dizer, fraqueza.


Há, entretanto, momentos em que não é bem assim. A certos momentos da história, um grande alento passa sobre as massas; suas respirações, suas palavras, seus movimentos se confundem. Nada, então, lhes resiste. Os poderosos conhecem enfim, por sua vez, o que é sentir-se só e desarmado. Tácito, em algumas páginas imortais que descrevem uma sedição militar, soube perfeitamente analisar o caso. “O principal signo de um movimento profundo, impossível a apaziguar, é que eles não estavam disseminados ou manobrados por alguns, mas juntos pegavam fogo, juntos se calavam, com tal unanimidade e tal firmeza que se acreditaria que agiam sob comando”. Nós assistimos a um milagre desse gênero em junho de 1936 e a impressão ainda não se apagou[8].


Momentos como esses não duram, se bem que os desgraçados[9] desejem ardentemente vê-los durar para sempre. Eles não podem durar porque essa unanimidade, que se produz no fogo de uma emoção viva e geral, não é compatível com nenhuma ação metódica. Ela sempre tem por efeito suspender toda ação e frear o curso cotidiano da vida. Esse tempo de parada não pode se prolongar; o curso da vida cotidiana deve ser retomado e as tarefas de cada dia realizadas. A massa se dissolve de novo em indivíduos, as lembranças de sua vitória se esfumam; a situação primitiva ou uma situação equivalente restabelece-se pouco a pouco; posto que no intervalo os chefes tenham mudado, são sempre os mesmos que obedecem.


Os poderosos não têm interesse mais vital senão impedir essa cristalização das massas submissas ou, ao menos, como eles não podem sempre impedi-la, torná-la o mais rara possível. Que uma mesma emoção agite, ao mesmo tempo, uma grande quantidade de desgraçados é o que acontece com freqüência pelo curso natural das coisas; mas habitualmente essa emoção apenas despertada é reprimida pelo sentimento de uma irremediável impotência. Manter esse sentimento de impotência é o primeiro artigo de uma política hábil por parte dos senhores.


O espírito humano é incrivelmente flexível, prestes a imitar, prestes a se curvar sob as circunstâncias exteriores. Aquele que obedece, aquele cuja palavra de outrem determina os movimentos, as penas, os prazeres, sente-se inferior, não por acidente, mas por natureza. No outro extremo da escala, sente-se do mesmo modo superior e essas duas ilusões se reforçam uma à outra. É impossível ao espírito mais heroicamente firme guardar consciência de um valor interior, quando essa consciência não se apóia em nada de exterior. O próprio Cristo, quando se viu abandonado por todos, ultrajado, desprezado, sua vida valendo nada, perdeu por um momento o sentimento de sua missão; o que pode querer dizer de diferente o grito: Meu Deus, por que me abandonaste? Aos que obedecem parece que alguma inferioridade misteriosa os predestinou a obedecer por toda a eternidade; e cada marca de desprezo, mesmo ínfima, que eles sofrem da parte de seus superiores ou dos seus iguais, cada ordem que eles recebem, sobretudo cada submissão que eles próprios cumprem, confirma-lhes esse sentimento[10].


Tudo o que contribui para dar àqueles que estão embaixo na escala social o sentimento de que eles têm um valor é, em certa medida, subversivo.  O mito da Rússia soviética é subversivo pelo quanto ele pode dar ao trabalhador de fábrica demitido por seu contramestre o sentimento de que, apesar de tudo, ele tem por trás de si o exército vermelho e Magnitogorsk[11] e, assim, permite-lhe conservar seu amor-próprio. O mito da revolução historicamente inelutável desempenha o mesmo papel, se bem que mais abstrato; já é alguma coisa quando se é miserável que se tenha a história a seu favor. O cristianismo, em seu início, era também perigoso para a ordem. Não inspirava nos pobres a cobiça dos bens e do poder, muito ao contrário; mas dava-lhes o sentimento de um valor interior que os situava sobre o mesmo plano ou mais alto que os ricos, e era o bastante para colocar a hierarquia social em perigo. Bem depressa ele se corrigiu, aprendeu a colocar entre os casamentos, os enterros dos ricos e dos pobres, a diferença que convém e a relegar os últimos lugares das igrejas aos desgraçados.


A força social não se sustenta sem mentira. Tudo o que existe de mais elevado na vida humana, todo esforço de pensamento, todo esforço de amor também é corrosivo para a ordem. O pensamento pode, a justo título, tanto ser descreditado como revolucionário, de um lado, como contra-revolucionário, de outro. Porquanto ele constrói sem cessar uma escala de valores “que não é deste mundo”, é inimigo das forças que dominam a sociedade. Porém, ele não é mais favorável aos propósitos que tendem a subverter ou a transformar a sociedade e que, antes mesmo de ter tido sucesso, devem necessariamente implicar, para aqueles que se voltam à submissão do grande número ao pequeno, o desdém dos privilegiados pelas massas anônimas e a manipulação da mentira. O gênio, o amor, a santidade merecem plenamente o reproche que muitas vezes lhes é feito de tender a destruir o que existe sem nada construir em seu lugar. Quanto àqueles que querem pensar, amar e transpor em toda pureza, na ação política, o que lhes inspira seu espírito e seu coração, eles não podem senão perecer decapitados, abandonados pelos seus, difamados pela história depois de sua morte, como ocorreu com os Gracos[12].


De uma tal situação resulta, para todo homem aficionado ao bem público, um dilaceramento cruel e sem remédio. Participar, mesmo de longe, do jogo das forças que movem a história quase nunca não é possível sem se sujar ou sem se condenar de antemão à derrota. Refugiar-se na indiferença ou numa torre de marfim é também raramente possível sem muita inconsciência. A fórmula do “mal menor”, tão desacreditada pelo uso que dela fizeram os socialdemocratas, permanece, então, a única aplicável, com a condição de aplicá-la com a mais fria lucidez[13].


A ordem social, embora necessária, é essencialmente má, qualquer que seja. Não se pode reprovar àqueles que ela esmaga de sabotarem-na tanto quanto possam; quando se resignam, não é por virtude, ao contrário, é pelo efeito da humilhação que neles apaga as virtudes viris. Não se pode tampouco reprovar aqueles que a organizam por defenderem-na, nem representá-los como formando uma conjuração contra o bem geral. As lutas entre os concidadãos não surgem de uma falta de compreensão ou de boa-vontade; elas pertencem à natureza das coisas e não podem ser apaziguadas, mas somente sufocadas pela coerção. Para quem quer que ame a liberdade, não é desejável que elas desapareçam, mas somente que permaneçam aquém de um certo limite de violência.   



---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

*Emília Maria M. de Morais - Agradeçe as valiosas sugestões de Leonardo Weber Castor de Lima para a redação final do texto; todas as possíveis falhas não são de sua responsabilidade.


[1] Opressão e liberdade foi publicado no Brasil pela EDUSC, Bauru, trad. de Ilka Stern Coehn, 2001, p. 175-182.  A presente tradução deste artigo, com fins pedagógicos, diverge pouco da anterior e foi motivada sobretudo para que algumas breves notas fossem anexadas ao texto; que sirva como um aperitivo para os leitores adquirirem esse original e valioso livro.
[2] Étienne de la Boétie (1530-1563), escritor francês; em seu Contra-um ou Discurso da servidão voluntária, refletiu sobre o domínio de todo um povo por um tirano. Note-se o paradoxo do título: a servidão, embora não natural, ou seja, histórica e contingente, é qualificada como um ato da vontade de um povo que se apequena, mantendo-se de joelhos diante de seu cruel dominador. Avesso à equidade, incapaz de nutrir todo sentimento real de afeição (amor ou amizade), por sua crueldade, injustiça ou posição de superioridade frente a seus subordinados, o tirano empobrece a si mesmo e poderia ter a seu lado apenas cúmplices, muito dificilmente amigos. Em sua breve vida, la Boétie foi o grande amigo de Montaigne (1533-1592) o qual resumiu o sentimento excepcional que os unira apenas com esta frase lapidar: porque era ele, porque era eu - Ensaios, De l’amitié, livro I, capítulo XXVIII. O texto de la Boétie foi publicado no Brasil, em edição bilíngüe,  pela Brasiliense, em 1987.
[3] A autora se refere a J. Stálin.
[4] É também a partir da noção de força que a autora analisa a poesia de Homero. Cfr. A Ilíada ou o poema da força, in: WEIL, S. A condição operária e outros escritos sobre a opressão. Organização e introdução de Eclea Bosi. Trad. Alfredo Bosi. São Paulo, Paz e Terra, 1996.
[5] Grande animal é a expressão de que se vale Platão n’ A República (livro VI, 493 a-c) para denominar a formação social. Lembremos também que, no século XVII, T. Hobbes intitulará com o nome do monstro bíblico, Leviatã, seu principal tratado político.
[6] A autora se refere à depressão econômica que, nos anos 30, no século passado, ocasionou a destruição de gêneros de primeira necessidade, tais como o algodão e o trigo, nos EUA; o café no Brasil e o açúcar em Cuba.
[7] Em inglês, no original; trabalhadores ou camponeses da costa leste da Indochina, região do Vietnã atual.
[8] S. Weil evoca o Front Populaire, as greves entre maio-junho de 1936 e o governo socialista, cujo conselho, presidido por Léon Blum, entre 04/06/36 até 21/06/37, contou com o apoio dos três principais partidos de esquerda da França: a SFIO, seção francesa da Internacional operária, que deu origem ao atual PS, o PCF, Partido Comunista, e o Partido Radical Socialista, além de sindicatos, combatentes e intelectuais ligados às forças populares. Simone Weil celebrou a vitória eleitoral da esquerda e os breves tempos de alegria que conferiram dignidade ao proletariado. Em 7 de junho de 1936, duas leis  votadas pelo parlamento instituíram as primeiras  licenças de trabalho remuneradas e a semana de trabalho foi reduzida de 48 para 40 horas. Foi também o primeiro governo francês com a participação direta de mulheres, três ao todo, no secretariado de Estado.
[9] No original: malheureux.
[10] Essas amargas observações concernem ao que a própria Simone Weil não somente observou de muito perto, mas viveu como operária metalúrgica, entre 1934-1935, nas fábricas Alsthom e  Renault.
[11] Cidade da Rússia, na região dos montes Urais, fundada em 1929, onde Stálin mandou construir uma grande fábrica siderúrgica que, por vários anos, foi a maior do mundo. Ali, durante a Segunda Guerra Mundial, empreendeu-se uma intensa produção de tanques de guerra, obuses e balas.  
[12] Tibério e Caio Graco, tribunos romanos das últimas décadas do séc. II a.C, que tentaram reformar as estruturas sociais e políticas de Roma e foram assassinados por seus opositores. Plutarco dedicou-lhes um capítulo nas Vidas Paralelas.
[13] Em agosto de 1932, Simone Weil viajou a Berlim para conferir de perto a situação na Alemanha onde constatou o impasse do movimento revolucionário, espremido, de um lado, por uma socialdemocracia reformista, cujos líderes, bastante próximos dos governantes da República de Weimar, eram por demais estranhos ao proletariado ativo na produção industrial; do outro, por um partido comunista fragilizado, agrupando desempregados e elegendo os socialdemocratas como seus principais adversários. Ambos deixavam o campo aberto para o avanço de Hitler e do nacional-socialismo. Ela notou a subordinação, seja da social democracia à burguesia gestora do Estado capitalista, seja da Internacional comunista ou Komintern, à burocracia gestora do Estado soviético. Suas impressões de viagem foram registradas em alguns artigos escritos entre 1932 e 1933. Cfr. Oeuvres Complètes, t. 2, v. 1,  Écrits historiques et politiques – L´engagement syndical (1927-juillet 1934), Paris, Gallimard, 1988, p. 116-212.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Cultura Grega Antiga - Visão da Antropologia Filosófica




Texto de Eneide Pompiani de Moura referente ao fórum de discussão sobre “O Lugar do Homem na Cultura Grega” da disciplina "Tópicos de Antropologia Filosófica" do curso de Pós-graduação em Filosofia da Existência - Universidade Católica de Brasilia - Polo: São Paulo, coordenado pelo Prof Vicente Sergio Brasil Fernandes (março/2012).

Falar do homem sobre si mesmo é falar do homem sobre a humanidade que se apresenta nas seguintes formulações: Quem somos? Por que existimos? Por que buscamos o sentido das coisas?
Em nosso dia-a-dia são muitos os momentos e situações em que o(s) questionamento(s) sobre o ser humano e o sentido de sua existência pode(m) aparecer, onde várias respostas podem ser apresentadas. Uma resposta em particular será diferente se for formulada de forma generalizada – este é o foco da antropologia filosófica -  que vai buscar as respostas para a existência da humanidade e aí nos incluímos como partes de um todo maior.
Portanto, as respostas também podem ser várias e diferentes dependendo do foco de sua pergunta. Assim, encontramos respostas sobre o homem na ciência – biologia, sociologia, história, economia, psicologia etc... – e, também, na Filosofia Antropológica.
Karl Jaspers nos diz que “quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, com seus concidadãos, do destino comum da humanidade”.

Refletindo sobre: O sentido da palavra cultura para o homem grego, considerando que é nesta que ele tentará fundar um processo de individualização.
A cultura para o homem grego pode ser entendida como a totalidade das manifestações e formas de vida que permite a caracterização de um povo, pois, através da apreensão da cultura como princípio formativo, que o povo grego, considerou a totalidade de sua obra originária em relação a outros povos. É a partir deste pensamento grego que serviu como fonte de todo o impulso criador do mundo ocidental, instaurando os sentidos para a existência do homem. Este homem que passa a ocupar um lugar de destaque na cultura.
A identidade de um povo se manifesta na cultura, isto é,  suas realizações que o torna peculiar. O destaque é dado ao homem com criador desta mesma cultura. A cultura não é um dado exterior ou soberano, mas é um “produto” do agir do homem.  Na sua individualidade o homem  cria, pensamentos, ações e linguagem que formam a cultura que é também o lugar da realização comunitária. Portanto, nota-se que apesar do homem encontrar a sustentabilidade no comunitário (o indivíduo põem-se ao serviço da Polis), o individual não fica ofuscado.
A cultura passa a ser a própria existência do homem, que coloca em questão o seu eu individualizado: todo o modo de ser do homem é um questionamento. Ao fazermos isso, inauguramos uma nova linguagem, uma nova forma de compreensão do mundo ou do próprio homem que o habita.

Questionar é próprio do homem. O homem não se contenta só com existir por existir. Não quer só o estar aí. Todo o seu viver constitui um contínuo questionamento na procura do sentido do seu existir como ser. Talvez, para o homem, o questionar seja uma aspiração para ultrapassar a sua finitude e buscar outras formas de existências. É próprio do homem não aceitar ser “aprisionado” numa estruturas não dinâmicas, como que exilado do próprio ser. Por isso, questionar liberta o homem das amarras do destino permitindo-lhe  reinventar-ser continuamente.

Todas as questões são colocadas na forma de diálogo como uma característica fundamental da existencia do homem, livrando o homem das amarras da própria existência. Ao dialogar, o homem coloca o seu pensamento ao olhar crítico do outro e vice-versa. Por isso é que, para o Platão, o homem é essencialmente diálogo, pois por este meio, ele ultrapassa todas as formas de esquematização analítica.

Platão entende que, por um lado, o diálogo revela a necessidade da comunicação, isto é, agir sobre e em direção do outro; e, por outro, o diálogo indica uma maneira bastante original de ser homem, pois todos vivem em sociedade. Sendo assim, o homem é ação e é, por isso mesmo, também político.
É através do diálogo que o homem relega a si mesmo não se justificando como também não se identificando. É preciso seguir em busca de novas fundamentações que possibilitem uma nova postura. A resposta encontrada pelo homem está na vida social mais universal e mais ampla que a dimensão familiar.

Apesar do homem possuir uma grande vontade de se reconhecer como indivíduo, o homem não pode fazer o caminho unicamente sozinho, pois perderia a sua identidade como ser em comunidade. Quer queira, quer não, o homem realiza-se entre as comunidades dos homens.
A vida política permite ao homem grego encontrar a sua razão maior de ser no mundo. Esse bem estar gerado pelo encontro com a essência humana, provoca o aparecimento de leis e normas que permitem uma certa segurança nesse estilo de vida, nas diferentes expressões da cultura. 
O controle da vida do homem em sociedade, num primeiro momento, se fez através da  religião e da família. Com o amadurecimento da polis há a edificação de leis universais que favorecessem a vida social. É a partir do entendimento de polis que aparece o sentido da existência do homem grego. Dentre outras questões, a geração de novas estruturas existenciais se tornam possíveis quando o homem se percebe como individuo e como ser político. Posteriormente, as novas estruturas da pólis permitiram ao homem que se unisse a outros homens e a outros grupos.Ampliando-se as possibilidades de estruturas que dão sentido a existência humana.

 autora: Eneide Pompiani de Moura

terça-feira, 20 de março de 2012

Hoje, 20 março 2012, inicio do Ciclo do Outono (no Hemisfério Norte). O que representa para voce?


As Celebrações são ritos de passagem. Assinalam o final de um ciclo e o começo de outro, nos situam no contexto do todo, inserem nosso micro-cosmo pessoal dentro do macro-cosmo Vida.

Em cada ciclo há aquele que precisa ser finalizado através do aprendizado deixado para que a entrado do novo ciclo nos possibilite a novas formas de pensar – falar – agir e sentir.
Prestar atenção nos ciclos entendê-los, honrá-los e celebrá-los pode ser terapêutico, se você quiser se tornar mais consciente do mundo que te rodeia (interno e externo).

Hoje, 20 março 2012 o Sol entra no signo astrológico de áries inaugurando um Novo Ano Astrológico. O equinócio do outono é quando a noite alcança o mesmo tamanho do dia, no hemisfério sul  -  aqui no Brasil - será o início da estação do outono e no hemisfério norte, início da primavera.


O significado místico do ciclo do outono nos diz que é um período de preparação e recolhimento para a próxima estação que é o inverno. Também é um período de agradecimento por tudo o que conseguimos até agora. Se durante o outono perceber o tempo mais frio, cinza, potencialize a decoração de sua casa com mais objetos ou flores coloridas para alegrar mais o seu ambiente.


Para aproveitar as oportunidades de um novo ano astrológico tendo a Lua como regente e simultaneamente o inicio do ciclo de outono se proponha a MUDAR (interiormente e externamente) para isso, desapegue das coisas/atitudes que você não deseja mais e FAÇA DIFERENTE. EXPERIMENTE O NOVO... e verá que muito tem a ser vivenciado.

Paz profunda!
Eneide