sexta-feira, 25 de maio de 2012

Método de Pesquisa Filosófico – Método de Kant - Parte I


              


                        A teoria kantiana do espaço e do tempo ainda estava imbuída daquela confusão de perspectivas filosóficas e científicas, que procurava subordinar o conhecimento positivo a categorias puramente especulativas.

                 O profundo desvio do racionalismo kantiano foi de ordem metodológica, isto é, a aplicação da técnica de análise matemático-formal era feita concomitantemente com a técnica de síntese genético funcional, sem discriminação alguma dos respectivos domínios. O método crítico, portanto, resulta desses dois instrumentos, embora o filósofo em questão não percebesse o dualismo metodológico de seu sistema.

             Tais concepções levam-nos a afirmar que Kant, na Crítica da Razão Pura, usa indistintamente duas técnicas de exposição, pois ora ataca o problema do espaço sob o aspecto da dimensão psicológica, ora sob o aspecto da dimensão lógica. Daí seu caráter de extremo teor crítico. O resultado de todas essas formulações kantianas é que o argumento transcendental sobre o caráter apriorístico do espaço decorre da impossibilidade psicológica de representação dos objetos sem o receptáculo a eles correspondente.

                De outro modo, o argumento se torna lógico-transcendental, desde que a referida categoria se transforma em condição necessária que torna possível a atividade perceptiva ou sensorial.

                 São necessárias precisamente aquelas condições sem as quais a nossa experiência se tornaria impossível.

             Ora, o espaço, como o tempo, constitui condição apriorística da possibilidade dos processos representativos do mundo exterior. Daí a conclusão de que ambas categorias se reduzem à forma da intuição pura que, por sua vez, constitui o fundamento da experiência.
 
             O método de Immanuel Kant é a "crítica", isto é, a análise reflexiva. 
  
         Consiste em remontar do conhecimento às condições que o tornam eventualmente legítimo. Em nenhum momento Kant duvida da verdade da física de Newton, assim como do valor das regras morais que sua mãe e seus mestres lhe haviam ensinado. 

                 Não estão, todos os bons espíritos, de acordo quanto à verdade das leis de Newton? Do mesmo modo todos concordam que é preciso ser justo, que a coragem vale mais do que do que a covardia, que não se deve mentir, etc... 

               As verdades da ciência newtoniana, assim como as verdades morais, são necessárias (não podem não ser) e universais (valem para todos os homens e em todos os tempos). Mas, sobre que se fundam tais verdades? 

                Em que condições são elas racionalmente justificadas? Em compensação, as verdades da metafísica são objeto de incessantes discussões. Os maiores pensadores estão em desacordo quanto às proposições da metafísica. Por que esse fracasso?

                    Os juízos rigorosamente verdadeiros, isto é, necessários e universais, são a priori, isto é independentes dos azares da experiência, sempre particular e contigente. 

              À primeira vista, parece evidente que esses juízos a priori são juízos analíticos.

          Juízo analítico é aquele cujo predicado está contido no sujeito.  Por exemplo: um triângulo é uma figura de três ângulos: basta-me analisar a própria definição desse termo para dizê-lo. 

            Os juízos sintéticos são aqueles cujo atributo enriquece o sujeito (por exemplo: esta régua é verde), são naturalmente a posteriori; só sei que a régua é verde porque a vi.
Eis um conhecimento sintético a posteirori que nada tem de necessário (pois sei que a régua poderia não ser verde) nem de universal (pois todas as réguas não são verdes).
Entretanto, também existem (este enigma é o ponto de partida de Kant) juízos que são, ao mesmo tempo, sintéticos e a priori

Por exemplo:a soma dos ângulos de um triângulo equivale a dois retos. Eis um juízo sintético (o valor dessa soma de ângulos acrescenta algo à idéia de triângulo) que, no entanto, é a priori.  Assim não há necessidade de uma constatação experimental para conhecer essa propriedade. Tomo conhecimento dela sem ter necessidade de medir os ângulos com um transferidor. Faço-o por intermédio de uma demonstração rigorosa. Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo fazendo uma construção no espaço.

Mas por que a demonstração se opera tão bem em minha folha de papel quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que Sócrates  traçava figuras geométricas para um escravo? É porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que faz parte da própria estrutura de meu espírito.

           O espaço e o tempo são quadros a priori, necessários e universais de minha percepção (o que Kant mostra na primeira parte da Crítica da Razão Pura, denominada Estética transcendental. 

                 Estética significa teoria da percepção, enquanto transcendental significa a priori, isto é, simultaneamente anterior à experiência e condição da experiência). O espaço e o tempo não são, para mim, aquisições da experiência. 

                 São quadros a priori de meu espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis por que as construções espaciais do geômetra, por mais sintéticas que sejam, são a priori, necessárias e universais

               Mas o caso da física é mais complexo. Aqui, eu falo não só do quadro a priori da experiência, mas, ainda, dos próprios fenômenos que nela ocorrem. Para dizer que o calor faz ferver a água, é preciso que eu constate. Como, então, os juízos do físico podem ser a priori, necessários e universais?

             É porque, responde Kant, as regras, as categorias, pelas quais unificamos os fenômenos esparsos na experiência, são exigências a priori do nosso espírito. 

                Os fenômenos, eles próprios, são dados a posteriori, mas o espírito possui, antes de toda experiência concreta, uma exigência de unificação dos fenômenos entre si, uma exigência de explicação por meio de causas e efeitos. 

                    Essas categorias são necessárias e universais. 

                O próprio Hume, ao pretender que o hábito é a causa de nossa crença na causalidade, não emprega necessariamente a categoria a priori de causa na crítica que nos oferece? "Todas as intuições sensíveis estão submetidas às categorias como às únicas condições sob as quais a diversidade da intuição pode unificar-se em uma consciência". Assim sendo, a experiência nos fornece a matéria de nosso conhecimento, mas é nosso espírito que, por um lado, dispõe a experiência em seu quadro espacio-temporal (o que Kant mostrará na Estética transcendental) e, por outro, imprime-lhe ordem e coerência por intermédio de suas categorias (o que Kant mostra na Analítica transcendental). Aquilo a que denominamos experiência não é algo que o espírito, tal como cera mole, receberia passivamente. É o próprio espírito que, graças às suas estruturas a priori, constrói a ordem do universo. Tudo o que nos aparece bem relacionado na natureza, foi relacionado pelo espírito humano. 

            É a isto que Kant chama de sua revolução copernicana. Não é o Sol, dissera Copérnico, que gira em torno da Terra, mas é esta que gira em torno daquele.  

               O conhecimento, diz Kant, não é o reflexo do objeto exterior. É o próprio espírito humano que constrói - com os dados do conhecimento sensível - o objeto do seu saber.

                  Também em física, eu digo que o aquecimento da água é a causa necessária de sua ebulição (se não houvesse aí senão uma constatação empírica, como acreditou Hume, toda ciência, enquanto verdade necessária e universal, estaria anulada). Como se explica que tais juízos sintéticos e a priori sejam possíveis?

                Na terceira parte da obra de Kant, Crítica da Razão Pura, na dialética transcendental, Kant se interroga sobre o valor do conhecimento metafísico.  

                     As análises precedentes, ao fundamentar solidamente o conhecimento, limitam o seu alcance. O que é fundamentado é o conhecimento científico, que se limita a por em ordem, graças às categorias, os materiais que lhe são fornecidos pela intuição sensível.

                         No entanto, diz Immanuel Kant, é por isso que não conhecemos o fundo das coisas. Só conhecemos o mundo refratado através dos quadros subjetivos do espaço e do tempo. Só conhecemos os fenômenos e não as coisas em si ou noumenos.  

                   As únicas intuições de que dispomos são as intuições sensíveis. 


                 Sem as categorias, as intuições sensíveis seriam "cegas", isto é, desordenadas e confusas, mas sem as intuições sensíveis concretas as categorias seriam "vazias", isto é, não teriam nada para unificar. Pretender como Platão, Descartes ou Spinoza acreditam que a razão humana tem intuições fora e acima do mundo sensível, é passar por "visionário" e se iludir com quimeras: "A pomba ligeira, que em seu vôo livre fende os ares de cuja resistência se ressente, poderia imaginar que voaria ainda melhor no vácuo. Foi assim que Platão se aventurou nas asas das idéias, nos espaços vazios da razão pura. Não se apercebia que, apesar de todos os seus esforços, não abria nenhum caminho, uma vez que não tinha ponto de apoio em que pudesse aplicar suas forças".

           Entretanto, a razão não deixa de construir sistemas metafísicos porque sua vocação própria é buscar unificar incessantemente, mesmo além de toda experiência possível. Ela inventa o mito de uma "alma-substância" porque supõe realizada a unificação completa dos meus estados d'alma no tempo e o mito de um Deus criador porque busca um fundamento do mundo que seja a unificação total do que se passa neste mundo... 
Mas privada de qualquer ponto de apoio na experiência, a razão, como louca, perde-se nas antinomias, demonstrando, contrária e favoravelmente, tanto a tese quanto a antítese (por exemplo: o universo tem um começo? 
Sim pois o infinito para trás é impossível, daí a necessidade de um ponto de partida. Não, pois eu sempre posso me perguntar: que havia antes do começo do universo?). 

           Enquanto o cientista faz um uso legítimo da causalidade, que ele emprega para unificar fenômenos dados na experiência (aquecimento e ebulição), o metafísico abusa da causalidade na medida em que se afasta deliberadamente da experiência concreta (quando imagino um Deus como causa do mundo, afasto-me da experiência, pois so o mundo é objeto de minha experiência). O princípio da causalidade, convite à descoberta, não deve servir de permissão para inventar.

 AUTORA: Eneide Pompiani de Moura


Referencia bibliográfica:  

Apostila da disciplina Metodologia de Pesquisa Filosófica. Curso de pós-graduação da Universidade Católica de Brasilia. 2012. 36 p.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A leitura do texto Filosófico – Parte II



Texto de Eneide Pompiani de Moura sobre o tema “Em que a leitura do texto filosófico se difere das demais leituras.” baseado no fórum de discussão da disciplina "Metodologia de Pesquisa em Filosofia" do curso de Pós-graduação em Filosofia da Existência, Universidade Católica de Brasilia – Polo: São Paulo -  coordenação Prof. Vicente Sergio Brasil Fernandes (maio/2012).








        A inovação pelo pensamento próprio é resultado de um processo criativo que pode se tornar um hábito. Ela (a inovação da forma do pensar).  Neste ponto, a filosofia difere das outras disciplinas por ela (a filosofia) pede um envolvimento pessoal maior pelo desenvolvimento do pensamento crítico.

            É através da compreensão do problema levantando por um texto filosófico que se discute e o ponto de vista do autor que se analisa. Nesse processo, cabe ao leitor de um texto filosófico, descobrir o sentido das palavras do filósofo buscando identificar as ideias mais importantes. Ao fazer isso, o leitor poderá usar o seu ponto de vista crítico expressando o seu entendimento do texto através de uma  análise mais detalhadas respondendo a questões como: Como é que o autor chegou a determinada conclusão? Que argumentos utilizou para defender o seu ponto de vista? Em que contexto histórico a obra foi elaborada?
            Mais será que é tão simples assim? Será que existe uma metodologia filosófica própria para se saber o que o filósofo está perguntando ou tentando responder só através de seu texto filosófico?
A resposta é clara: É muito difícil responder a estes questionamentos de formas precisas mesmo contextualizado no tempo e no espaço, pois as respostas muitas vezes são subjetivas e dão margem a muitas interpretações.
            É sabido que a filosofia estuda o próprio homem, dinâmico, problemático, insaciável; a filosofia é a própria razão humana ao serviço do próprio homem.
            Por isso, a leitura de textos filósofos só podem ser filosóficos se exigir a reflexão, a universalidade, e apesar da diversidade dos gêneros, das teses, dos modos de exposição, poder apreender funções gerais que determinam aquilo que torna um texto propriamente filosófico. Assim, ao ler um texto filosófico é preciso ter um paciente trabalho de decifração, para dar conta ao mesmo tempo da estruturação global e da dinâmica textual, como também recompor os percursos possíveis, autorizados pelo esforço de análise ou de preocupação interpretativa.
            A especificidade do texto filosófico parte do paradigma que a filosofia estabelece explicações para os fenômenos da natureza e da sociedade utilizando o método reflexivo racional. Este método lógico é do tipo dedutivo ou indutivo.
             Assim, há a necessidade de se compreender as funções dos conceitos apresentadas em um texto filosófico para se descortinar as perguntas  apresentadas pelo filósofo.
            Um conceito é a representação lógica de um conjunto de seres ou objetos, agrupando-os de modo a que não sejam confundidos com outro qualquer conjunto. o conceito permite evocar as características do referido conjunto que simboliza, representando a soma de conhecimentos que temos sobre os seres ou objetos em causa. Lembrando que o conceito só se manifesta através da linguagem. Ora, no plano da linguagem, o conceito passa a ser expresso pelo termo, que pode ser assim descrito como “a roupagem convencional” do conceito. Por isso, os conceitos são a representação dos objectos no pensamento.
            Relembrando que um texto filosofico raramente nos oferece respostas prontas a usar, não passa muitas vezes, do nível das interrogações, o que não quer dizer que a filosofia seja, apenas, um estar a caminho ou uma disciplina em que as perguntas são mais importantes do que as respostas, por muito que afirmações como estas agradem a professores e estudantes. Cremos que um texto dá forçosamente soluções a este ou aquele problema. Como poderíamos saber o que um filósofo pensa se ele tivesse limitado a fazer perguntas? A história das ideias dá-nos, pois, informações precisas quanto ao pensamento dos diversos filósofos. É evidente que não são os detentores da verdade: há, apenas, que salientar que a filosofia não é só uma procura do saber, é também um saber, e que a sua história é este movimento da pergunta à resposta e novamente à pergunta.
 
            Sabemos que é fundamental na filosofia a compreensão dos problemas, ou seja, o compreender porque são problemas. Sem esta perspectiva inicial, muitos textos filosóficos se tornariam incompreensíveis para o pesquisador em filosofia.
 
            Ao ler um texto filosófico, como em qualquer texto, é essencial a atitude que se tem parente ele. Os aprendizes de filósofos impacientam-se, muitas vezes, com a diversidade dos pontos de vista, com o caráter provisório das respostas, demonstrando uma grande ansiedade por respostas eficazes e absolutas. Esta impaciência é compreensível, e pode ser fecunda, num momento adequado.
            Como estratégia para a leitura e interpretação de um texto filosófico é necessária uma atitude do pesquisador em que permita que o texto fale com ele.
            A precipitação por parte do eleitor em discordar dos conceitos filosóficos vem da incompreensão do leitor ao texto filosófico com os  termos/linguagem apresentadas pelo filósofo.
            Para minimizar este impacto se propõe para o leitor uma leitura passiva sem preconceitos e simultaneamente argumentativa na medida que o leitor é capaz de levantar questões e de duvidar do que se lê. O próximo passo é compreender porque diz o autor aquilo que diz, tentando compreender as suas razões e argumentos.
            É importante lembrarmos que em tudo há uma parte de verdade e que, conhecendo várias opiniões (já que é impossível conhecer tudo) é possível que o leitor apresente a sua própria opinião do texto filosófico.
            A leitura de um texto filosófico deve, portanto, permitir que tomemos consciência de um certo problema novo ou já passado ou sentido por nós, dar-nos algumas ideias acerca de como foi tratado e resolvido por outros e, finalmente, despertar o desejo de escrevermos o nosso próprio texto, respondendo assim ao autor do texto que estamos analisando.
            A inovação, o pensamento próprio, original , livre, não são por via de regra, espontâneo. Por isso, a criação é um esforço de que se tem de fazer um hábito. Ela aumenta com a prática: o filosofar, o pensar, é o exercício que leva a uma criatividade cada vez maior respeitando-se as tendências de cada um.
Neste ponto, a filosofia difere das outras disciplinas porque pressupõe um envolvimento pessoal maior através de uma atitude por parte do leitor crítica buscando a compreensão de um problema destacado pelo texto filosófico.
            De uma forma geral a leitura de um texto filosófico passa pelas fases de se começar a descobrir o sentido das palavras desconhecidas; tentar identificar as ideias mais importantes e expressá-las pelas nossas próprias palavras; fazer uma análise mais detalhadas: como é que o autor chegou a determinada conclusão? Que argumentos utilizou para defender esta ou aquela ideia? ; situar o texto na obra do seu autor e este na história do seu tempo.

Autora: Eneide Pompiani de Moura